A literatura não
é apenas o texto em prosa ou poético; muito menos o é quando e se o autor
escreve para si. Nada disso. Se assim fosse, qualquer um que o escrevesse seria
um literato. Mas, literato, neste
sentido, só se o fosse de si mesmo: pura estagnação do "eu"
pretendente a literato e ruína da literatura. Um literato assim, não o pode ser
dos outros, ser de todos, ser do mundo literário. Um tal, escritor ou poeta,
fechado na sua redoma, no seu ego-centrismo, escrever de si para si, não lhe
permite criar para além de si. Considera-se absoluto e este absoluto, sendo-o
simplesmente de si e para si, não existe.
A literatura não
é apenas o texto que o escrevente debita no papel, como a matemática não é
apenas o número que o professor escreve no quadro negro. A literatura é um
fenómeno. É a ordem duma consciência criadora que estabelece regras para
ordenar as suas relações consigo própria, com o tempo e com os homens.
O criador
literário rege-se por reflexos de actos da criação, situações da vida que se
descarregam sobre si e o iluminam: como se fosse o clarão de um relâmpago que
em determinado momento da trovoada definisse onde vai cair o raio e provocar a
ferida que vai gravar na memória esse momento que se perpectuará no tempo. Mas
o homem, para criar literariamente, tem que ser livre e essa liberdade criadora
só ele a pode definir e exigir de si porque está intrinsecamente ligada ao seu
momento de nascer. No acto da criação literária apenas o limitam a
possibilidade ilimitada de criar; isto é, o homem, ao criar, e para criar
literariamente, deve ir sempre para além da possibilidade que no momento
alcança; ou seja, no seu acto de criar deve continuamente germinar o seu
temperamento criador em busca da ressonância para além do alcance da sua
imaginação. É esse eco, reflectido no tempo e nele perpectuado, porque sai de
si para além de si, que torna o texto no tal fenómeno literário.
O criador não
pode ficar, apenas, no instante: deve dirigir-se, neste seu temperamento
criador, neste seu modo endógeno de criar, para as etapas da escrita
investigatória e inquiridora, profundos e sinuosos que sejam os seus horizontes
do pensamento, e torná-las num somatório de experiências, conduzindo-se dentro
delas. Isto é, viver com as experiências narradas, primeiro no seu
subconsciente de insubordinação face às ideias estagnadas que prejudicam o
poder e dever da escrita literária e, depois, revolucioná-las na página em
branco firmando-se chão onde faça crescer a árvore com a possibilidade de mudar
ao fruto o seu nome e chamar-lhe futuro. O temperamento criador sedimenta-se do
equilibrio entre a procura desassossegada e ininterrupta do espírito de quem
cria e da oportunidade que a liberdade confere ao criador para ir além do
círculo fechado do instante na expectância do tal absoluto e do sempre longínquo.
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Alvaro
Giesta © PALAVRAS QUASE in COMÉRCIO do Seixal e Sesimbra, edição 311 | 3Jun2016
Foto: na Sede da Academia, em Monte Estoril, Cascais, com o Prof. Dr. António de Sousa Lara, Mui Ilustre e Digníssimo Presidente da ALA (Academia de Letras e Artes) e a Dr.ª Celeste Cortez, a minha Mui Ilustre Madrinha no processo de entronização na referida Academia, em 30Nov2016
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