Este
poema, não tem a ver com nada da actualidade e tem a ver, ao mesmo tempo, com
tudo o que se passa na actualidade, faz parte deste texto de reflexões à
roda do pessimismo, do expressionismo e do existencialismo. Encerra-o, embora
aqui o deixe como abertura.
A
mãe sozinha em casa pariu a criança ¾ fruto
de um
amor longínquo que de enganosamente puro
se
transformou em malígno; sobre eles inclinou-se
a
traição que se alimentava da mentira piedosa.
_____a
dor: o grande teatro do mundo que vive
como
fonte lacónica num doce palco de mentira_____
Sobre
ambos, a noite pesada, inclinava-se na cama
com
o rosto babado de lava ¾ eram outros os lençóis
macerados
numa mistura húmida de suor e esperma
e
de sexo feito e deixado por fazer.
Quando
a mão fria da mãe acarinhava a cara
da
criança parida em noite de lua branca embriagada
pelo
canto dos sonâmbulos corvos, nos braços esguios
e
ressequidos dos pinheirais, lembrava o piedoso acto
do
pai, expresso no rosto cinzento da mentira.
imagem de José Marafona (álbum Delírios) |
Os antepassados carinhos, simulacros de doçura
jaziam podres: amor e fantasia outonal.
A
febre negra da mão do pai havia de subir um dia
o
silêncio sinistro do Monte Calvário de Georg Trakl
e despejar a
morte sobre a inocência do filho parido
pela
mãe sozinha em casa numa noite branca de luar.
Meditar
ajuda a passar o tempo, desde que a meditação seja saudável; ao invés, temos
que ter um espírito forte e optimista para não cairmos no desespero
insatisfeito da procura em alcançar algo que, não alcançando o almejado, nos
pode levar à destruição. Escrever anima a alma; ler os mestres, naquilo que nos
deixaram escrito com sabedoria e arte, consola-nos ¾
pelo menos a mim consola-me e alivia-me de outras preocupações.
Às
vezes o homem é aquele ser abandonado que resiste ao tempo, embrulhado num
frágil fio frio da noite fria, enquanto espera que a manhã regresse presa,
apenas, num tão igual débil fio de vida. Dizem-lhe que a manhã tem sempre de
regressar, todos os dias, para bafejar as paredes da casa que habita. Ironia das ironias... seria verdade se todos os homens fossem, por igual, filhos de deus; o tal deus dos homens a quem se
abandonaram famintos na esperança da bocarra aberta desse túnel misterioso da
salvação. Inglória sorte a deste homens abandonados a um deus que esqueceu as
dores do mundo. Chamem-lhe lírico, anti-lírico, ateu, filho de nada e de
ninguém... quer lá ele saber! Será isso tudo ou nada será, ao mesmo tempo. É,
isso sim, aquele que pensa à sua maneira; pensa por si, pela sua cabeça. Pessimista?
Talvez sim. Pessimista por natureza em relação à existência humana.
Filosoficamente
ser pessimista é não acreditar no valor da existência. Neste sentido, o
pessimismo é profundamente existencial na medida em que é a própria existência
que surge nesse modo de pensar. Viver é sofrer, com pequenos instantes de
felicidade ¾
assim pensavam Kierkegaard e Schopenhauer ao considerarem estes momentos
minúsculos de felicidade comparados com a grande amplitude da infelicidade do
homem no seio duma sociedade injusta. Schopenhauer em "Dores do
Mundo" dizia mais ou menos isto: "Se
a nossa existência não tem por fim imediato a dor, pode dizer-se que não tem
razão alguma de ser no mundo." Eis o pessimismo profundamente
existencial de Schopenhauer na medida em que é a própria existência que surge
nesse modo de pensar. No profundo realismo-pessimista de Schopenhauer do 'viver é sofrer', aponta-nos alternativas
ao sofrer, cuja ideia mais poderosa é a vontade de viver "por alguma coisa" ou em razão de
alguma coisa ¾
eliminando, consequentemente, os fantasmas pessimistas que enganam a nossa
visão e construirmos, nós mesmos, o sentido da nossa própria existência,
encontrando o caminho para a libertação na contemplação da Arte ¾
o Belo e a Poesia ¾ para a paz de espírito necessária à
vida.
Ora,
na linha do pessimismo a efemeridade do
mundo é o palco onde os homens desgraçados representam a sua dolorosa tragédia.
Mas tal como Antero de Quental diz "o
pessimismo não é um ponto de chegada mas um caminho; é a síntese da negação e o
indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de
modo apaixonado, apesar da existência de muitos obstáculos e tentações de
desvios". Cada indivíduo constrói o seu próprio destino, já o dizia o
humanista Miguel Torga, sem a intervenção de qualquer deus, e está no indivíduo
e na sua vontade, a força para ultrapassar os factores externos e internos que
estão envolvidos na 'construção' da
desgraça do homem, devendo ser ele próprio a afirmar a sua individualidade e
liberdade humana na construção do seu destino.
O
pessimismo não é próprio de uma só época: no romantismo e na transição dos
séculos seguintes, foram evidentes as correntes pessimistas. Recordemos nos
finais do século XIX e século XX, e hoje, ainda há quem assim pense, o
pensamento do 'vazio' e do 'absurdo' vê-se em filósofos, escritores,
poetas e artistas. Fernando Pessoa, quando entra na personalidade do heterónimo
Álvaro de Campos, na sua 3.ª fase marcada pela abulia (desencanto pela vida),
revela constantemente o pessimismo em relação à existência ¾
sentia "um súbito impulso para
escrever" e não sabia o quê, exprimindo 'toda a emoção' que não era capaz de dar nem a si nem à vida. É o
desencanto pela vida ¾ a angústia existencial, o cepticismo de
pensar, a memória do mundo fantástico da infância, era o tédio, era a náusea,
era o desencanto consigo mesmo e com os outros: "nada me prende a nada / quero cinquenta coisas ao mesmo tempo / anseio
com uma angústia de fome de carne".
Há poetas que traduzem na poesia que escrevem a
sua rebeldia contra as injustiças e o seu inconformismo diante da podridão do
mundo. E
o poeta o que é, senão o responsável por fazer esta denúncia?! Muitas vezes os
poetas acrescentam uma certa pitada de humor negro a esta poética
expressionista, mas está na sua génese (e dos existencialistas, que se lhe
seguiram) criarem imagens esdrúxulas e impactantes, carregadas de carga
emocional, que signifiquem o grotesco, o bizarro, a dor, a angústia, a morte ¾
até o mórbido e a podridão existente na sociedade. Essas imagens esdrúxulas são
o invólucro transitório que encobrem o núcleo onde está contida a verdadeira
realidade. É preciso ir para além da capa do transitório, rompê-la e olhar para
além dela em busca da verdadeira realidade para ver o que é eterno. O poeta
expressionista não olha, vê; não reproduz, recria; não encontra, busca. Nesta
transfiguração, os factos adquirem importância na altura em que a mão do poeta,
enquanto artista, agarra aquilo que está por detrás deles. Neste caminho para o
existencial, interessa colher, abrindo a capa do transitório da coisa, o núcleo
que lhe está na origem, na génese ¾ o que é eterno,
o imutável da própria arte. A morte, a angústia e a dor casam nos versos dos
expressionistas com a sorte do homem desamparado. Às vezes até desgraçado. Não
há excepções nem meio termo na desgraça. Ou se é ou não se é desgraçado. E
medindo todos os homens que são desgraçados pela mesma bitola, podemos dizer
que a desgraça neles é geral. Ontem, como hoje. A bitola só difere para aqueles
que nasceram com o cu virado para o sol. Estes, mesmo sendo uma anémona em
termos de conhecimento, de sabedoria melhor dizendo, na vastidão do universo,
foram bafejados pela sorte; beijou-lhes a sorte o trazeiro esquecendo-se,
esta, de que até pouco uso deram ao papel higiénico... mas também pouco
importou à sorte lambê-lo com as bordas por limpar, pois quantas
vezes ela dividiu com eles a dádiva dos prémios recebidos?!
Esta amarga podridão das coisas ruins do mundo descrito em verso, repugna certos poetas que
apenas tentam falar do amor inventado, sem conhecerem a dor que também lhe está vinculada; desprezam falar da dor que esse mesmo amor acarreta, porque não existe amor sem dor. É preciso buscar, desvendar, rasgar o véu que encobre o transitório e ver o
núcleo, entrar nele, escrevê-lo. Mas preferem fugir da dor ¾
o grande teatro do mundo vive num palco de mentira ¾
como o diabo da cruz e não a denunciando, ou não a escrevendo para não perderem
as suas audiências que lhe garantem a eternidade de um pódio falso. Esquecem-se deliberadamente das margens com receio de perderem os aplausos
daqueles que nunca conheceram o puro horror do sangue, do pus e da dor humana, ou se dele tiveram conhecimento preferiram mudar de passeio para não sujarem as vestes. Esses
poetas e essas poetisas de meia bitola querem-se os arautos da literatura que
enferma e infesta os salões carunchosos onde se pavoneiam, entre chapéus de aba
larga a esconder alqueires de ignorância mal disfarçada e vaporosos vestidos de
seda barata encimados por armadas cabeleiras loiras plantadas em moleirinhas cheias
de ideias inócuas e obliquantes, simulando-se as intrépidas e sábias críticas
desses arautos 'litratos' de vinho tinto
de terceira categoria engarrafado fora das caves célebres da Abel Pereira da
Fonseca ou da Casa Ermelinda de Freitas. A poesia desses poetas e poetisas está vazia de propósitos; misturam-se vaidosamente no 'nada' orgulhando-se dessa pura vulgaridade. Como diria Almada-Negreiros no seu Manifesto Anti-Dantas, embora de um modo mais brando, uma geração de poetas e de leitores desses poetas que só conhecem deles o lirismo chocho,
sem miolo, seco, goro, insípido, estéril, que se revê nos versos do amor tão mal cantado,
banalizando-o de tanto e tão mal repetido, é uma geração de poetas rascas e de leitores cegos que não passam, uns e outros, de meros peões de palmas ambulantes. Dói sabê-los assim e em nada se
esforçarem por serem outra coisa que não aquela que (in)sabiamente são.
Às
vezes pergunto-me, como Schopenhauer ¾ "Se um Deus
fez este mundo, eu gostaria de ser esse Deus: (porque) a miséria do mundo
esfacelar-me-ia o coração."
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por: Alvaro Giesta (poeta) - 12/5/2020
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por: Alvaro Giesta (poeta) - 12/5/2020
bém, a morte
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