23/10/18

PREFÁCIO de O SERENO FLUIR DAS COISAS


“Ser uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada”

Esta frase, do poeta dramaturgo Teixeira de Pascoais, explica em poucas palavras os conceitos que Alvaro Giesta aplica na arte da escrita. Nada do que sai de sua pena fica restrito ao evidente. Há, quase sempre, algo mais a ser entendido, para lá da palavra escrita. Há, quase sempre, matéria que, não sendo secundária (bem pelo contrário), merece tanta ou mais atenção. Há, quase sempre, algo que, fazendo sombra à evidência, nos obriga a ver para lá do óbvio e a decifrar entre linhas.
Copyright da imagem Jose Fernando Delgado Mendonça
E o título da obra que temos em mãos é o exemplo perfeito. O SERENO FLUIR DAS COISAS, na sua fórmula evidente, ficaria reduzido ao simples e básico nada. No entanto, o poeta, enquanto mestre conhecedor das ferramentas que depuram a poesia e sabedor daquilo que se auto-exige, usou-as para que o conteúdo contrariasse o título, transformando-o numa ironia: o interior deste livro é tudo menos sereno, direi mesmo inquietante. Em contraponto, porquanto a arte poética não tem linearidade, o título desta obra também pode ser entendido como uma reflexão pela naturalidade com que devemos encarar as coisas que acontecem, seja na concepção da obra, seja naquilo que, afinal, é a vida de todos nós. As coisas acontecem porque tem de ser assim e devem ser entendidas como inevitabilidades da condição humana.
Alvaro Giesta já demonstrou, em diversas ocasiões, o quanto domina a arte do subliminar e essa capacidade é fruto de um trabalho apurado, consciente e, acima de tudo, permanente. Afinal, é esse rigor, no uso da linguagem simples, que se exige ao poeta. Se assim não for sobra apenas o banal. Mas não se confunda o banal com o simples. Existem diferenças abismais entre estes dois conceitos. Entenda-se o banal como algo frívolo, vulgar, o tal nada a que se referia Pascoais. O simples, ou a simplicidade na escrita, é algo bem mais complicado de se atingir mas uma vez alcançado pode ser sublime por não ser evidente.
Disse Herberto Helder:
“Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo”
Alvaro Giesta labora a sua escrita por acreditar que, enquanto escreve, as transformações acontecem. E fá-lo para, no mínimo, transformar o banal em algo formidável, porque a estética também diz muito sobre o trabalho do poeta.
Esta simbiose (trabalho/estética), tão querida ao poeta, acaba por ser a imagem de marca da sua obra mas não explica tudo porquanto a primeira é apenas o meio para alcançar a segunda. E se sobre a estética cada um pode interpretar a seu bel-prazer e entendimento, sobre o trabalho não há margem para duvidar que o poeta se escreve a cada verso.
Neste sentido, e porque não existe uma só forma de dissertar sobre a obra de Alvaro Giesta, não resisto a fazer um paralelismo, já tão gasto como o tempo, entre a escrita poética e a escultura. Ao contrário de muitos contemporâneos que dizem esculpir o poema da matéria bruta, desbastando aqui e limando acolá, Alvaro Giesta usa o texto como matéria prima e, com o cinzel de poeta, vai retirando os excessos que o envolvem, até ficar apenas o que sempre existiu: o poema. Dito isto, é fácil deduzir que a poesia está dentro do poeta e ele limita-se a colocá-la cá fora somente quando entende que o poema atingiu a maturidade necessária para se dar a conhecer – o estado de quase perfeição.
“Os homens são como as obras de arte: é preciso que se não entenda tudo delas duma só vez”
Esta frase de Miguel Torga ajuda-nos a fundir e resumir tudo o que dissertei até aqui. A mestria de Alvaro Giesta no uso da linguagem simples, através do burilamento do poema, e a arte de transformar essa simplicidade em algo formidável mas nada evidente, para que cada leitor, a cada nova leitura, vá descobrindo ou decifrando o poema e o poeta. Neste contexto, faço um parêntesis e ouso escrever que O SERENO FLUIR DAS COISAS é a menos hermética das obras de Alvaro Giesta mas, em contrapartida, talvez seja a que mais nos fala do homem que dá corpo ao poeta e assim o vamos conhecendo pouco a pouco.
Sintetizando, e fazendo uso de uma discussão tão antiga quanto a poesia, creio que a forma mais adequada, para definir a poética deste autor, é considerar que, aquilo que para muitos é inspiração/criatividade, para Alvaro Giesta é transpiração/trabalho, porque o ofício de poeta o exige e a demanda pela perfeição também. Ou como disse Fernando Pessoa: “Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter”.

Emanuel Lomelino

Outubro de 2018



22/10/18

O DESPERTAR DA PALAVRA POÉTICA?


                             As palavras podem formar uma escrita nativa
                                                           de corpos claros
                                                           ANTÓNIO RAMOS ROSA
                                                                                                         
                                                                       Desta vergonha de existir ouvindo,
                                                                       amordaçado, as vãs palavras belas,
                                                                       por repetidas quanto mais traindo
                                                                       tornadas vácuas da beleza delas;
                                                                       JORGE DE SENA

Copyright da imagem Jose Fernando Delgado Mendonça
No contexto e no desenvolvimento da modernidade e das correntes que lhe estão associadas, e muitas há, algumas até de sinal contrário, a palavra poética ganhou fôlego e autonomia e, ainda hoje, sendo outros os parâmetros e até as ideias expressas pela poesia, que se tem vindo a reconstituir como “um regresso ao sentido”, a palavra e a sua reconfiguração estética se é que não estão propriamente no centro de tão laboriosa construção psicológica, constituem a reserva de energia capaz de emocionar, de questionar, de abrir caminhos, capaz “da força do rasgar / do corpo rumo ao céu”, “corpo do poeta / que espera a voz inicial do tempo (…)” (in “O Sereno Fluir das Coisas” de Alvaro Giesta).
A linguagem ocupou um espaço mais amplo (“consomem o espaço”), sorveu a revolução tecnológica e influiu decisivamente no ritmo do despertar emocional, através do desencadeamento e do encadeamento de um número infinito de imagens e de novos símbolos, até aí improváveis ou proscritos, e que traduzem uma ruptura com processos anteriores e consigo mesma.
Mallarmé o poeta francês nascido em Paris em 1840, que alguns apelidaram de “mestre dos simbolistas”, valorizou o papel da linguagem na poesia, essa forma de expressão humana trazida ao seu ritmo essencial, ao misterioso significado da existência. (Abril de 1866).
Entre nós essa autonomia da linguagem foi valorizada por poetas e críticos literários de várias épocas. Nesse sentido, escreveria Casais Monteiro que a “libertação da palavra é o fenómeno mais marcante da evolução da poesia de há um século para cá”. Já Nuno Judice infere que a conquista da modernidade traz “essa autonomia da linguagem cujo mecanismo, uma vez posto em movimento, dispensa as contingências da comunicação para colocar ao nosso alcance a imagem de um possível diálogo com o absoluto”.
“No texto poético as palavras adquirem uma maior liberdade pela soma inesgotável de temas que (se) nos propõem à imaginação trabalhando a matéria desses temas com a arte poética que eles merecem. Daí que considere que não há morte em literatura.” (in posfácio “Retorno ao Princípio” de AG)
Porque no seu entendimento, é o nada e do nada que nasce a linguagem poética; é aí, no preciso lugar “onde a luz e a obscuridade coincidem e se transformam” que se dá o acto inaugural da palavra. (Idem)
Na linguagem poética a palavra não morre. A palavra, se morre, é para dar vida à palavra nova porque “a palavra é a vida dessa morte” como nos diz o filósofo Maurice Blanchot (…).” (Idem).
Esta é afinal a tal dialéctica vida-morte de que AG no “Retorno ao Princípio” em que o processo que leva à morte da palavra para dar a “palavra nova” significa transformação, resultado da ruptura entre as forças antecedentes e subsequentes e assim sucessivamente.
Para o autor de “Um arbusto no olhar” a linguagem de que se serve para elaborar a sua arte poética tem por missão “expressar sentimentos humanos e transmitir, de forma subjectiva, aspectos da nossa realidade – medos, angústias, anseios, desgraça, pobreza… tudo quanto seja marginal (…).
Em “Nota do Autor” do seu segundo livro de poesia “Meditações sobre a palavra”, um tributo ao poeta Ramos Rosa, afirma sem hesitação e fiel à sua devoção literária: “Há que reconhecer que se pode e deve dar novo uso à palavra poética. “a palavra nova agita um tempo novo/harmonizam-se os elementos” escreve . Um uso não-lírico, onde o “artefacto rigoroso da busca” e da construção e emprego da palavra no todo do edifício poético, dê verdadeiro sentido intelectual à obra construída”. Uso não-lírico, entendo eu, devido à quase inexistência da volúpia do corpo - o rosto, as mãos, o beijo, as linhas sinuosas que circundam o sexo -, a imagem perfeita de um destino apaixonado (“noutros tempos eu sabia escrever o amor”). É a palavra, no corpo do poema, raiz, sangue, nascente que encarna a relação afetiva e a exaltação da beleza e do enamoramento. (“ergue-se a palavra//(essa namorada extraviada do silêncio)”).
A palavra é a afirmação da subjectividade em estado de pureza máxima e é simultaneamente o Centro da criação, Terra, Água, Sol, Luz:

Na indefinição do tempo
o corpo todo corre em busca da palavra pura
perdida na imprecisão do gesto
(…)”
Mas o poeta é o artífice ágil que extrai a palavra do húmus da terra e que resgata a essência da escrita na alquimia dos símbolos, dispersos no espaço onde as trevas se fundem com claridade. O poeta caminha entre deuses, entre rios, entre gente cansada e queixosa, entre o sol e os ventos ferozes, como ele próprio nos diz, numa “busca sem princípio e sem fim/à procura do seu céu”. AG é o homem erguido do corpo do poema que:

Como o búzio espera o som
nas areias da praia esquecida
ou a terra espera o fruto para crescer
                        após arada           assim espero a palavra;
                       
depois
como o oleiro ao barro
modelo-a
como o escultor usa o cinzel,
limo-lhe as arestas

como o artesão na forja
uno-lhe os espaços vazios

esculpo-a
amo-a,
e construo dela o meu edifício todo

O universo da linguagem poética de AG baseia-se na função que à palavra cabe de preencher, ou dito de outro modo, de fecundar o vazio, o nada, a sombra, o silêncio, a solidão, o branco da página por escrever e de (re)nascer do abismo do tempo, lugar obliquo onde se esvaem as paixões e os homens enlouquecem despojados da própria alma.
AG é um herdeiro legítimo e ao mesmo tempo um continuador dessa herança da cultura literária ocidental de que temos vimos a falar, o seu labor poético, marcado da maior coerência intelectual, incessantemente criativo, organizador de imagens, recriação de um sonho por sonhar, humanamente intenso e directo, manifestando a crença na religiosidade da palavra, sem destino, interrogativo, (“nela se interrompe e se começa/nela se busca e se encontra,/ela se inventa num sempre novo navegar;”). Navegar é preciso, disse o grande poeta, viver também é preciso. Escreve-se no espaço em branco sem rosto para anunciar o caminho, encontrar o que possa existir do outro lado do corpo enclausurado; deus ignorado, vazio e exangue, longínquo, sentado nas pedras de fogo e sangue da cidade com casas onde falta o pão e debruçado sobre o tempo para assistir para além dos horizontes sagrados àquela que é toda a génese da poesia de AG: o acto inaugural da palavra! Palavra rigorosa, escultural, nua, violenta, alada que mergulha no magma do poema e solta o grito da verdade com a ascensão do sol ao Monte Parnaso.
Num pequeno livro de edição de autor, de Abril de 2016, “O Discurso dos pássaros”, dividido em duas partes, “voo sem asas” e “o poeta em frágeis aspirações”, persuadimo-nos de que o poeta inventa a luz, inventa os mitos, as metáforas de solidão e medo e ganha asas com o gesto da criação, acto de transfiguração do silêncio e do vazio. A sua voz nasce da imensidão do verso por entre as sombras de um tempo inócuo e remoto onde a palavra de deus se tornou inaudível mesmo quando o sonho se disseminou magicamente pela memória.
O poeta não teme arriscar a procura da palavra inicial, a palavra-embrião que encarna o sonho e a angústia, o fogo da inquietação e a liberdade, a indigência e o silêncio da morte. É o tempo do poeta! É o tempo de haver uma efabulação fecunda com palavras que valem mais que as profecias dos deuses ausentes, ou vazios, ou inventados sobre o mistério dos infinitos céus que escondem a vegetação de novos paraísos. Ao poeta só interessa o “ofício” de cavar o chão rochoso e agreste e sentir o sabor que nas mãos fica por dos dedos nascer a poesia. O que há de mais puro no coração ávido que anseia a água da vida e o ser, senão a poesia! O que há de mais humanamente verdadeiro e livre, senão a poesia!
Como escreveu Eduardo Lourenço “O acto que define o homem como criador é o acto poético, a poesia. O que os poetas fazem, fundamentalmente, são variações infinitas sobre esse objecto, o tempo, que é mais esfíngico que todas as esfinges, porque é ele que nos olha no fundo dos olhos sem dar resposta. A resposta somos nós que temos de dar com a nossa vida, com a nossa existência.”
O conjunto da obra poética de AG, com um total de 9 livros - trazidos a este encontro de um modo não sistematizado, a-cronológica, quase-estético e incompleto -, apresenta-se como um repertório de grande riqueza poética e humana, muito multifacetado tanto em relação às opções formais, como no que se refere aos alvos da sua reflexão filosófica, psicológica, social ou apenas no plano literário – sempre numa cadência viva, com pausas respiratórias que nos ajudam a entrar no jogo subtil da luta de contrários e na partitura poética, na qual o “poeta-artesão” inscreve, com incansável rigor, as imagens, as metáforas e a geografia onírica de uma peregrinação, transitando, por vezes, de poema para poema ou de livro para livro. AG conhece e manuseia com mestria as leis de desencadeamento da emocionalidade numa combinação balanceada com o acto racional.
Percorremos a extensa obra de AG que não obstante o conhecimento que da mesma já possuíamos, não deixou de nos impressionar intensamente, sendo surpreendidos a cada nova leitura pelo avistamento de outros horizontes, imprevistos até então, e, claro, pela descoberta do segredo do fogo do seu lirismo racional!
Aquele fraterno abraço, amigo Alvaro Giesta
                                                                                                                      José Baião Santos
Outubro – 2018

O DESTINATÁRIO DO POETA

[foram estas as minhas palavras para os queridos leitores e leitoras presentes nesta assembleia no dia do lançamento de O Sereno Fluir das Coisas (poesia]


          Diz Mário de Carvalho, no seu livro "Quem disser o contrário é porque mente", que "são precisos dois para dançar o tango". Gentil Martins dizia há dias em entrevista à Rádio Renascença que o elemento mais importante da equipe cirúrgica é o anestesista.                

          Ora, aqui tenho duas figuras - o par do tango e o anestesista de que me vou servir como arquétipos para dizer que, mais importante que o escritor, no caso vertente o poeta, é o leitor. De que serve ao poeta escrever versos se não tiver o leitor? Mas, o bom leitor. Este é o destinatário do poeta - aquele que o poeta pretende sujeitar a si sem o  subjugar, sem que seja à medida do leitor impingindo-lhe o produto. 

copyright da imagem Jose Fernando Delgado Mendonça

          O leitor inteligente e criativo, o que não se quer ver diminuído enquanto bom leitor, de imediato rejeita esse poeta, esse escritor que o subjuga, que lhe impinge o produto, porque o bom leitor não se deseja ver desprestigiado enquanto tal. E há tantas maneiras de sujeição - usa-se muito por mensagens particulares no facebook, por exemplo, antes de submeter o poema à leitura pública.
          Esse leitor menos atento ou menos inteligente que não se quer dar ao trabalho de pensar para criticar, "embarca" nesses cantos de sereia, e aplaude porque o vizinho aplaudiu, e "gosta" sem saber se gosta do que lê, quando o lê, porque também "gosta" sem gostar do que lê, simplesmente porque "gosta" da cara daquele que lhe impinge o produto ou porque não quer desagradar, mesmo não gostando.
          O escritor quando escreve, o poeta que faz poesia, não é para si que escreve, que faz versos, mas para o leitor que o deve julgar sem sujeição. O bom leitor, - o bom par de dança que conduz harmoniosamente no tango; o bom e atento anestesista que garante a cirurgia com êxito. O bom leitor é o melhor crítico que o escritor tem. Também o leitor espera do escritor, do poeta, um espírito criativo que o leve a distanciar da falange vulgarizadora que, sem crivo, escreve banalidades do senso comum não confundir "senso comum" com "bom senso".
          Então, o leitor faz assim tanta falta ao poeta, se o acto de escrever é um labor solitário? Será que eu preciso mesmo do leitor (?) para escrever, enquanto me debato, sozinho, com a página em branco num sótão fechado a cheirar a mofo e a mijo de gato? Claro que isto é poético, porque o poeta de hoje já não precisa da solidão irrefragável para escrever. A solidão irrefragabilis de que os poetas necessitam para fazer versos, é falsa. Hoje há poetas que escrevem entre garrafas de cerveja vazias, escrevem entre os comentários que vão deixando, aqui e ali, aos amigos do facebook que vão lendo (e às vezes plagiando), escrevem no meio da refrega de qualquer evento a que assistem, muitas vezes apontando num caderninho restos de versos que apanham no ar para depois os enquadrarem - e mal enquadrados em poemas seus.
          Pois eu preciso, tanto do leitor que me lê e me critica com intenção séria, como do silêncio para escrever. Porque é no silêncio que eu medito enquanto crio, é a voz do silêncio que funciona no meu íntimo criador como motor imóvel, mas que (me) faz mover no tempo de criação. Em mim, o acto de escrever é um labor solitário que exige, enquanto escrevo, que esteja só, ausente do tumulto, do ruído, o estridente que me atropela as ideias por isso escrevo sempre entre as duas e as cinco da manhã. No silêncio me refugio para escrever, mas não vivo em solidão. Esse ruído estentóreo, que retumba e atordoa, nada tem a ver com o som o som é uma percepção sensorial musical que até o silêncio tem; a voz do silêncio tem frequências que se harmonizam e me transportam a estados de alma que me ajudam, enquanto poeta, neste acto de criatividade. Mas não chamo a isso "inspiração".

          Apenas um parentese para fazer notar que eu digo "criatividade" e não "inspiração" porque, não acredito em inspiração; para mim, a inspiração não existe, porque não há musas, nem deuses, nem tágides, nem qualquer outra divindade celestial oculta e estranha a mim, a soprar-me os versos ao ouvido, a ditar-me a força da palavra. Para o que escrevo sirvo-me daquilo que imagino, que idealizo e daquilo que os meus olhos e sentidos veem e sentem. A minha inspiração é a palavra, é o labor "transpirado" com que a ergo nesse silêncio em que medito... e, se há algo a que possa inadequadamente e injustamente chamar "inspiração", quando esse fervor de criar vem do "favor" de outrem, colhido de outrem, sem o plagiar, isso chama-se "influência" - e essa influência também me angustia enquanto aprendiz do Mestre; este, sim, é o criador genuíno que não sofre a angústia da influência de que fala Harold Bloom - mas, criadores genuínos, há poucos.

          Entro em pânico ao enfrentar a página em branco, se não encontro a palavra certa para iniciar a frase, para começar o verso que me servirá de arranque e impulsionará ao longo do papel. É nestas alturas do pânico da página em branco - em que a criatividade me falta, que eu receio defraudar o meu parceiro de escrita, o meu par para dançar o tango: você, caro leitor...

          ...aqui presente, a quem agradeço por ter vindo, por estar aqui, hoje, comigo e com os poemas deste "... Sereno Fluir das Coisas", que afinal, são seus. Obrigado.

Alvaro Giesta
10 de Outubro de 2018

Prolegómenos sobre “Na Teia do Esquecimento” de Antero Jerónimo

Doem-me as mãos com que te escrevo estes versos… É do peso da espingarda, é do canto que se obrigam a escrever ...