03/04/11

sono tranquilo

ao meu Pai, no seu leito de morte
02/Set/2002

Impávido e sereno. Dormia.
Um sono profundo e tranquilo.
Imponente, entre finas e brancas sedas,
no seu fato cinzento, quase imaculado,
que só em épocas festivas vestia.

Um rosto magro, ossudo, quase sem vincos,
tranquilo, repousava.
Como se o seu último desejo por cumprir
fosse aquele sono eterno
que em vida mais desejava.

Em seu redor nem sussurros se ouviam
com medo de o acordar.
Vigiavam-lhe, os amigos, aquele sono tranquilo
feito de silêncio de respeito
e dor. Sofriam.

De rosto magro bem barbeado,
afagado por alvo lençol,
tinha a brancura da morte….
Tão diferente do que fora antes
tisnado pelo sol.

Dormia sem sobressaltos nem stress.
As suas mãos, sobre o peito, ambas cruzadas
uma sobre a outra, seguravam
com firmeza e fé, mesmo na morte,
o terço das suas preces.

Debruçada à cabeceira, por dois círios iluminada,
em oração surda a minha mãe.
Parecia alheada do mundo e ausente.
Com certeza rogava ao deus das suas preces
que se voltassem abrir aqueles olhos
teimosamente fechados, para sempre.

No rosto do meu pai, já sem sofrer,
os seus olhos fixavam, porventura,
sob as pálpebras fechadas um mundo novo
que se abria feito de ventura
às portas do Além.

devolução à Luz


Eterna elegia à Mulher

Deixa-me dar-te uma flor de silêncios
e ternura
Uma flor de paz aureolada de Luz
como a serenidade do teu peito
inocente sofredor e fecundo

Deixa-me dar-te o minuto que tenho a mais
de vida
e devolver-te à Luz
Deixa que este desejo terno e puro
parta um dia em glória contigo,
e beber na intimidade do teu néctar
o sumo do devir

Deixa-me beber a tua intimidade
onde me acolho
e escondo
martirizado e vivo
junto ao teu peito de silêncio e paz

Deixa-me cantar-te o tempo
viver-te o tempo
de imortal esperança e infinito espaço
de Luz de vida
Deixa-me acolher na serenidade
do teu peito
e semear sementes de silêncio e paz
para aí nasceram
silêncios de amor e ternura

Prolegómenos sobre “Na Teia do Esquecimento” de Antero Jerónimo

Doem-me as mãos com que te escrevo estes versos… É do peso da espingarda, é do canto que se obrigam a escrever ...