Prefácio ao Um Arbusto no Olhar
por Fernando António Almeida Reis, ortónimo
por Fernando António Almeida Reis, ortónimo
Prefácio
«(...)
Não posso adiar este abraço
que
é uma arma de dois gumes
amor
e ódio (..)»
O Poeta na Rua © António Ramos Rosa
Tardou
este livro em ser publicado. Com base na sua proposta final, que é o que define
o valor literário da obra, a acontecer na data própria, deveria ter sido logo
após a publicação do «Meditações sobre a palavra», porque o completa e
complementa, sem outros que foram editados, entretanto, pelo meio. Mas, por
vezes o criador tem necessidade de alargar o leque de opções, correndo o risco
da criação, ao olhar de outrem, de uma obra dispersa e desconexa. Contudo,
ainda que difícil seja a defesa da obra, porque dispersa, nela se pode
«recolher a semente para uma futura colheita, não perdendo dessa forma o seu
objectivo primordial: criar para além do limite de cada instante.» (Xavier Zarco, in Breves reflexões
filosóficas sobre o conhecer, em poesia - publicado em "A Chama, folhas
poéticas, n.º 9, 3.º trimestre 2014)
Na sequência daquilo que Alvaro Giesta deixou
expresso em nota de autor no seu livro Meditações
sobre a palavra, editado em 2011 pela Editora Temas Originais, e ao talhar
agora o Um Arbusto no Olhar que seguiu de perto, na sua primeira parte,
o desenho traçado para o primeiro, a completar o que se terá proposto escrever
sobre o ofício do poeta no manuseio da palavra e com o qual pretenderá encerrar
o motivo deste ciclo, dado que todas as suas obras poéticas se vêm desenhando
com submissão, cada uma delas, a um mote próprio e específico, quererá reiterar
aos leitores que tem procurado sempre o seu desempenho com base na busca da
maior perfeição.
Se,
no «Meditações sobre a palavra»,
«as
palavras nascem / de dentro para fora (...) / (dum) / ventre virgem que se abre
ao meio / (e) / recolhe o sémen / que se vai tornar vida»,
em
«Um Arbusto no Olhar», desse mesmo
«ventre
prenhe / da terra / (onde) / canta a árvore
e
o azul / em demanda de novo sol»,
se
pode concluir que:
«o
ofício do poeta / é mergulhar as mãos no fogo /
no
espaço / branco por escrever / é descobrir o vazio / que espera a voz / e o
grito / da palavra»,
é
saber ver que:
«da
hercúlea sombra / que se abre ao meio / regurgita a luz»,
é
descobrir que o fenómeno do acto inaugural da palavra se dá no lugar exacto,
onde a luz e a obscuridade coincidem e se transformam.
O
ofício do poeta é encher o nada, o vazio existente no sítio exacto onde
coincidem a luz e sombra, do ardor rubro da palavra, mesmo que este verde
nascimento seja um acto tardio na vida do poeta ou no tempo da criação.
É
«descobrir o segredo do fogo / e da água / onde a palavra se faz carne / nesta
difícil visão alquímica dos contrários».
Se
no «Meditações sobre a palavra», ela,
a palavra exacta, porque pura alfa e ómega
(princípio e fim), é a semente que «caminhava na sombra das paredes / que se erguem
envoltas / num mar duro de pedra / e cal» onde apenas «uma nesga de luz (sai) das
trevas / por curto instante /(...)» em demanda de uma possível aproximação ao
real e às coisas do mundo,
em
«Um Arbusto no Olhar», a palavra deixa de ser semente oculta sob a dura terra
antes de nela ter entrado o sémen-água, para se tornar na raiz que firma e no
caule que sustenta e ergue os ramos, para se dar a conhecer, para se abrir na
inquietude da página, vislumbrando-se entre as suas ramificações, o olhar sequioso
por dizer, por fazer a denúncia, a busca, por sondar e descobrir o insondável
mistério universal da palavra.
Com
a mesma arte com que foi desenhado o «Meditações sobre a palavra», assim foi
talhado o «Um Arbusto no Olhar». Sem inspiração, porque ela não existe (!) em
Alvaro Giesta, mas fazendo uso do mesmo rigor construtivo no trabalho da
palavra que sai da sombra, como o arquitecto ao desenho do edifício,
modelando-a como o oleiro ao barro, esculpindo-a e burilando-a como o artífice
à pedra, dissecando-a, levando-a ao osso, como o médico legista ao corpo para
saber da causa do fim.
O
poeta se afirma, mais uma vez, no rigoroso sentido de busca, de construção e
emprego da palavra no todo do edifício poético em que se deve empenhar para,
nesse labor, dar um verdadeiro sentido literário à obra construída.
Alvaro Giesta, no rigor do uso da palavra ao
serviço da linguagem poética, norteou o labor de «Um Arbusto no Olhar» , em
duas partes, correspondendo a cada uma trinta poemas:
- na Parte I, o eu-poético ausenta-se do poema
para que este seja ele próprio, para que se efectue a junção entre
subjectividade e objecto, para que a palavra-sujeito-poético
case com o espaço sem a intervenção do eu-poético no mundo do poema;
- na Parte II, o eu-poético integra-se na
palavra, vive a palavra, vai de encontro às sensações o que lhe permite
vislumbrar novos horizontes, com um olhar sequioso por descobrir o longe, para
lá das ramificações do arbusto que se levanta ao olhar do sol.
Fernando A. Almeida
Reis, ortónimo
Barreiro, Setembro de
2014
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