15/03/18

às memórias de Gabriel Garcia Márquez

["Memória das minhas putas tristes" relata a história de um velho que sempre foi medíocre em tudo o que fez; viveu uma vida sem grandes realizações e, desgraçadamente, sem amor. Um professor e escritor aposentado que vive uma vida simples num casarão herdado dos pais e com uma única actividade: escrever uma crónica semanal para um jornal local e algumas eventuais resenhas de apresentações de música clássica. O personagem, ao completar 90 anos, decide pedir a uma velha conhecida, alcoviteira e proxeneta, que lhe arranje uma jovem virgem para aquela noite.

Essa ideia súbita desencadeia um processo que vai mudar a vida do velho e, nesse livro de memórias, ele relata o ano que se segue a partir dessa noite onde ele descobre duas coisas que atormentariam a maioria dos homens: a impotência e um amor.]

Uma obra que li dum fôlego sem descansar um minuto, me fez pensar e fez nascer os versos que aqui deixo em jeito de homenagem ao Prémio Nobel da Literatura, 1982, Gabriel García Márquez.

1.

Por dentro desta minha velha idade
desde as trevas à felicidade das loucuras
que vivi, guardo as pérolas delicadas
das mulheres que sempre quis e nunca amei.

Eram os néon estonteantes na minha noite
incandescentes na cidade inebriante e em fúria
por viver. Passageiras fugazes na paragem
expectantes à espera da viagem acontecer.

Todas elas passageiras clandestinas que não
souberam fazer correr o sangue em mim
que à vida dá outro sabor e outro prazer.

Subi, dessas mulheres, os degraus arrepiantes
das ondas levianas em delírios sem ternura
em furibundas formas de beleza genial. 

2. 

Difusa claridade... repetível do diferente
assim me quis e vi nessa fuga a minha sorte.
Procurei nessas mulheres dias estonteantes
de loucura vendo no precipício dessa fuga

o meu norte. Fechei o meu espaço tantas vezes
às leis severas da razão. Uivei em mil vielas
a raiva surda da ausência nesta lama arrasante
sem amor; não ouvi os ditames do bom senso.

Perdi-me tantas vezes nos corredores traiçoeiros
da ilusão. À procura dum sonho que não vivi
doutra forma queria transformar esta loucura

numa nova realidade. Embarquei nessas ondas
de insanidade do sonho sem raízes, brutalmente
de cama em cama das mulheres que nunca amei.

________
Copyright 2017-2018 Alvaro Giesta
Imagem no domínio público: Gabriel García Márquez


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