14/04/17

(In)compreensão da obra pascoaliana

A nosso ver duas problemáticas se erguem como quase inultrapassável muro para a compreensão da obra do poeta do Gatão, no tempo actual,  de reflexos vindos da não aceitação da sua obra e consequente "quase liquidação, de um só golpe", pelos seus contemporâneos.
A primeira - a problemática na compreensão da obra do poeta-pensador, porque densa, complexa e rica de significações: é um manancial de surpresas inesgotável; a quem nela se aventure em estudo, é impossível trazer respostas últimas e definitivas; as respostas que, na medida de tal estudo, forem encontradas, servem, apenas, para levantar novas perguntas, equacionar novos problemas, deixar vagas sugestões para novos caminhos exploratórios e abrir perspectivas para novas pesquisas em contínuo aprofundamento. Como nos diz António Cândido Franco «o essencial de Teixeira de Pascoaes está no seu próprio discurso, enovelado nos talentosos enredos dos seus textos»[i]. O "génio febril" e oculto de Pascoaes deixou-nos uma obra que é, como nos diz Sant´Anna Dionísio «um nunca acabar de tesouros escondidos, prontos a encher de encantamento aquele que souber desencantá-los sob a leve camada de cinza vulcânica que os cobre»[ii]. A nosso ver, e da experiência por nós colhida para elaborar este trabalho, esta problemática da difícil compreensão e interpretação da obra pascoaliana, deve-se aos extensos, profundos e densos textos, cobertos por uma forte e espessa neblina de messianismo que quase inviabilizam qualquer tentativa de interpretação; deve-se, ainda, à geral ausência dum discurso lógico e à quase total ausência de ordem na exposição dos textos.
Tornar-se-ia imperativo uma leitura e estudo sistemático da obra de Pascoaes, ocupando-nos por alguns anos, para alguma aproximação e propriedade à interpretação da sua obra, ao entendimento do seu pensamento poético-filosófico, coisa que o objecto deste pequeno ensaio (nascido em tom tertuliano) a tanto não aspira, muito principalmente pelo tempo de que não dispomos e, reporte-se mais uma vez, pela complexidade anárquica e incoerente da obra (poética) de Pascoaes. Mas, facilmente se entende este anarquismo poético, esta falta de lógica do discurso poético do autor: é que a lógica do discurso não é a da razão aristotélica ou filosófica-científica, mas a do génio intuitivo e espontâneo do Poeta que cria por impulsos, sempre alheio às leis da razão.
O próprio poeta nos adverte para essa dificuldade de entendimento e interpretação: «Seguir a ordem cronológica, é lançar na desordem, quase sempre, a obra do poeta»[iii]. E, ainda em Os Poetas Lusíadas, «Compete ao leitor e aos antologistas subordinar as criações do Poeta a uma ordem natural e compreensível, que parta do corpo para a alma e da terra para o céu; isto é, do menor para o maior».[iv]
A segunda problemática (e em nosso entender a de mais simples compreensão e entendimento) - é a razão da não compreensão da sua obra, liquidada de um só golpe, como já referimos, pelos seus contemporâneos. Vejamos, apoiando-nos em alguns traços de leituras feitas, como se instalou a polémica entre António Sérgio e Teixeira de Pascoaes: aquilo que foi, em nosso entender, a grande causa pela não aceitação, pelos seus pares contemporâneos, da poética messiânica da saudade, reflexos que, ainda em nosso entender, contribuíram, também, para o (quase) esquecimento do poeta pela maioria dos intelectuais portugueses, salvo raras e digníssimas excepções de espíritos cultos e mais dedicados.
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Alvaro Giesta (de leituras e interpretações)
(imagem de Teixeira de Pascoaes





[i] António Cândido Franco, A Literatura de Teixeira de Pascoaes, Imprensa Nacional -  Casa da Moeda, Lisboa, 2000
[ii] Sant´Anna Dionísio, Génio Febril e nocturno de Pascoaes, nas comemorações do 1.º centenário do nascimento do Poeta, Imprensa Nacional -  Casa da Moeda, Lisboa, 1980.
[iii] Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, Assírio & Alvim, Lisboa, 1987
[iv] Ibidem

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