Autor: Alvaro Giesta
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Todos os
poetas - e apenas a
estes, e só a estes, me refiro neste texto -, sofrem da influência dos outros autores e, ao mesmo tempo, torna-se
numa angústia presente e permanente naqueles que pretendem que a sua
"arte", a sua forma de se dar a conhecer aos outors através da
escrita, seja original. Esta "angústia da influência" será aquela de
que fala o mais influente e controverso crítico do nosso tempo: Harold Bloom?
O processo
da influência nota-se, quer queiramos quer não, muito mais nas artes e nas
disciplinas intelectuais do que nas outras formas do saber e do conhecimento - porque enquanto estas
exigem a experimentação para um "único pensamento" (Heidegger)
pensando-o até ao fim em vista, para quem sofre das artes, da angústia da
influência não há fim.
O humano
poético inventa-se, a partir da influência que se sofre dos poetas
antecessores. Vulgarmente se diz: "inspirei-me no poeta A ou B" - mas, isso, não é
inspiração, porque tal, como inspiração, não existe; isso é
"influência".
Ninguém,
nas artes intelectuais, está isento e livre de sofrer influência e de
influenciar outros, resultando de tal acontecimento uma forte inquietação,
quando, o que todos os poetas pretenderiam, era terem uma forma só sua e genuína
de se expressarem na escrita - seriam,
neste caso, mestres de si próprios, mestres sem mestre.
E só não
sofre influência quem não teve contacto, lendo ou estudando, os poetas
antecessores. Mas esses - os que não
sofreram de influência - ou são
genuinamente superiores ou raramente passarão de vaidosamente medíocres.
Uns e
outros diferentes entre si: os poetas genuinamente superiores, porque do seu
pedestal não descem para ler os poetas menores pela pouca ou nenhuma atenção
que lhes merecem - seria uma
desconsideração para eles, considerados sábios, e uma perda do brilho da
auréola, descerem ao mundo inferior dos poetas menores; os que raramente passam
de vaidosamente medíocres, porque obcecados que estão com o ego, que julgam já
tudo saberem e de tudo serem capazes sem necessidade de com outros aprender,
desconhecem que a humildade é a maior sabedoria dos sábios.
- E, sábios, são aqueles que
não têm necessidade de falar do seu próprio valor, aqueles que, sem ênfase ou
asserção, são capazes de, do mesmo modo, erguer uma montanha sem esforço a
partir do pó e dum oceano irado fazer flutuar um átomo. Não os tentando nunca a
ostentação, o exibicionismo, a presunção, facilmente se explica o mérito e o
poder do mestre e do sábio de, com o mesmo saber, tratar a farsa, a tragédia, a
lírica e a narrativa.
Poucos são
os autores que têm dons de imaginação poética - quase todos se repetem nos
temas e, tantas vezes, na forma de os tratar. Os que têm o dom de se inventar
genuinamente, criam-se como mestres de si próprios, quer na forma da sua
escrita, quer na genialidade das suas distintas, porque genuínas, ficções
poéticas. É um atrevimento dizer que dificilmente houve autores genuínos, únicos
e inegualáveis, na forma de executar e criar. E que, no panorama literário
português, nem Pessoa foi genuíno na poética - se o foi, apenas isso
aconteceu na criação dos heterónimos. Porque o seu grande mestre na forma do
verso livre foi Walt Whitman. Disse Harold Bloom que Pessoa era o maior
herdeiro português de Whitman. O próprio Pessoa o não desmente nesta declaração
poética pessoana em "Saudação a Walt Whitman"[1]:
«Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado, / não sou indigno de ti (...)
/ (...) / Sou dos teus, tu bem sabes (...) / E embora te não conhecesse,
nascido pelo ano em que morrias (...) / (...) / Sei que é isso que eu sou (...)
dez anos antes de eu nascer (...)». A evidência diz-nos que Pessoa nunca negou
a influência de Whitman sobre si.
(...)
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Obs:
O artigo, de
que aqui deixo este extracto, segue nos mesmos moldes, a narrativa aqui exposta.
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A propósito vem o convite que vos faço a uma
leitura dupla deste meu
poema "da MORTE, cantata em odes
mínimas" da influência sofrida daquela que eu considero ser a melhor
poeta no arrojo que teve em cantar a morte - Hilda Hilst.
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da MORTE, cantata em odes mínimas
1.
Apoderas-te
do meu ser, quando? Agora?
Quando
unirás a tua boca à minha,
-- à boca dum poeta, nesse estreito
laço?
Que
vontade calada de te unires a mim tens
tu,
amantíssima Morte, que por mim
esperando
em silêncio, vens minando o meu
corpo
que junto ao teu repousará um dia
nesse
longo e apertado-abraço!
Oh!
como almejas o teu corpo colado ao meu
debaixo
daquela pedra fria, onde
a
tua fome de mim em fogo arde.
2.
Desafio-te:
--vem, hoje, sereníssima e negra
antes
que seja tarde; vem, sem medo,
amantíssima
vem não sejas cobarde...
desafio-te, oh Morte, antes que sejas
tu,
nesse
beijo frio que tanto desejas, a impores-me
a
minha própria sorte -- vem, nesta hora.
Aqui de mim, para ti, firmo a minha escritura:
-- assim te imponho eu, agora
que
venhas serena mas rudemente, assim te quero
e ao
mesmo tempo austera, nesta agonia
ácida,
escura e amargamente terrena.
Assim te desafio -- vem, não esperes
pelo
abraço final que nos há de selar a sepultura.
3.
O
meu tempo agora é teu... e há muito dura!
Ama-me com a fome que tens de mim
em
fazer da minha carne -- ânsia que te consome --
o
teu leite prometido, a tua carnadura
-- o diamante puro para o teu altar.
Já não me atormenta o teu nome!
Porque
tu, Morte, és a Vida-semente da minha vida
amor
que em ti se prolonga indefinidamente.
Escurecem
os teus olhos que por mim brilham
por
alimentar o teu ventre esfaimado,
de mim sequioso e tardio
quando
por fim descer à terra escura.
4.
Alimenta
o teu ventre, esse amor que há tanto dura
pelo
meu ser, faminto e doentio. Sim, tu, oh Morte
que
tão demasiados anos da minha vida
trouxeste
o teu dentro arredado e fugidio.
Hás-me
urdir nesse denso e frígido amor
em
tempo teu, sobre mim a tua teia.
O
tempo virá em que à tua se há de unir
a
minha carne -- vida da tua vida.
Como
a trovoada que sobre a terra áspera
e
dura, derrama o cíclico raio quando nunca chove
e o
rochedo seca e abre brechas em sua cíclica
textura,
assim escorra tardiamente sobre mim
e a
minha vida, o teu amor pela minha sorte,
-- e tarde o tempo
em
fazer da tua vida a minha morte.»
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(da
Morte, cantata em Odes Mínimas de Alvaro Giesta, in OPUS, Selecta de Poesia em
Língua Portuguesa, Temas Originais, 2018 (31 autores)
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Toma-me
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
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(Da Morte, Odes Mínimas de Hilda Hilst)
[1] Saudação a Walt Whitman /
Canto de Mim Mesmo, Autores Álvaro de Campos|Fernando Pessoa/Walt Whitman, ©
Guera e Paz, Editores, S.A. 2017, pp 12 a 13
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