Autor: Alvaro Giesta
¾ Difícil
é escrever um longo poema em que não é apenas o número de versos que lhe
confere grandeza, mas o valor ontológico que em si está contido, em que o poeta
consegue dizer ao longo dele, o que ele julga ser tudo, sem se perder nem
desviar do pensamento que pretende transmitir.
¾ Difícil
é também, com poucas palavras, escrever-se um grande poema do qual se possa
intuir sobre a verdade ontológica da poesia - isto é, se dela se pode conhecer
quando ela se limita ao questionamento directo do óbvio, ou nada se pode
conhecer de todo o abismo que envolve a palavra poética, interrogando-a e
interrogando-se, questionando-a e questionando-se numa tentativa de resposta,
pondo em causa a sua obscura natureza quando o não-óbvio está presente no texto
poético.
¾ Muito
mais «difícil é escrever uma obra em livro por fragmentos, em que cada um dos
fragmentos por si só se constitui poema mas, também, em que cada
fragmento-poema é um componente - muitas vezes decomposto em unidades
mais ínfimas e delicadas que conduzem à ideia errada de facilidade da escrita - que
trabalha em prol da própria obra. Isto é, confere à obra uma arquitectura tal
que faz com que cada um dos poemas enformadores do livro deixe de o ser, se
torne fragmento como se fosse um órgão - coração, rim, pulmão, fígado,
cérebro, etc., - para que o livro, tornado corpo,
adquira vida.» Xavier Zarco transmite esta ideia de concepção de obra por fragmentos no prefácio a projecto de obra minha subordinada ao título "da Palavra (Des)Velada" que reune Meditações sobre a Palavra e Um Arbusto no Olhar.
¾ Face a
tais considerações, cabe perguntar-nos, então: o que é este abismo que envolve
a palavra poética?
¾ É o projecto poético que cada poeta reformula com
tendência a outra realização diferente do poeta anterior; é a busca
interminável composta de avanços e recuos, descobertas e ocultações,
obscuridades e luminosidades, certezas e dúvidas, numa espiral de sentimentos
que reciprocamente se descobrem e encobrem numa linguagem complexa onde a
palavra poética diz e não diz, é e não é, nesta rede de atalhos do caminho do
tempo desabitado e a percorrer.
Porque nada em poesia é
definitivo, é aqui que o homem, em permanente angústia, porque órfão da verdade
definitiva, coloca a cada resposta possível uma nova questão.
¾ O que é
a poesia, afinal?
¾ É o lugar incómodo das perguntas, porque nenhuma
verdade o é em absoluto. É o lugar onde o Novo - o que ainda não existe - se manifesta. Não há respostas concretas em poesia
nem para definir a poesia, porque se a palavra poética é e não é, diz e não
diz, então o que o homem escreve merece pesquisa e resiste.
Não há definição de
poesia. É um fenómeno especial de linguagem inventiva - é a
imaginação e a sensibilidade unidas num abraço comum e fraterno, contudo,
divorciadas do raciocínio. É o pensar poético, o pensar com a alma, é o alarme
necessário e encantatório que despoleta os sentidos e dá claridade à verdade
simbólica.
¾ Quem é,
então, o poeta, esse dinossauro da palavra que nada afirma, mas que tudo diz? Quem
é "essa Ave Metafísica" como perguntava Sant´Anna Dionísio do Poeta
do Marânus?
¾ É o moscardo que pica, que incomoda e que resiste.
Mas, é também aquele ser que está para além do telúrico, aquele espírito ávido
para a propensão de "ver formas ilusórias onde o vulgo vê realidades";
aquele ser que é capaz de, nas suas divagações "alucinadas", alcançar
a linha incorpórea observada nos astros a partir da terra e ver, com a alma,
que o autêntico está no plano invisível e não, decerto, no plano visível. Nesta
perspectiva, o poeta vê percepções e não verdades - aliás,
algures certo filósofo escreveu com alguma ironia séria, que "quem não
possuir propensaão para a mentira não está fadado para a poesia".
Assim sendo, o poeta é
aquele que nesta fome de crer, ser e ver, insiste e resiste.
¾ Mas
resiste a quê?
¾ Ao nada das palavras, às palavras gastas, confusas e
poluídas que invadem o nosso espaço, o nosso tempo quotidiano, palavras já
incapazes de formular questões e até de dar respostas neste tempo da
interrogação, neste tempo desabitado, neste tempo da ausência e do
desassossego, neste tempo do vazio de Deus e dos Homens sempre na ânsia de
alcançar algo.
I
«Penso para além de mim
com um pensamento
destruidor, fulminante
mas contemplativo
como o sabor amanhecente
da montanha
ou o incêndio que destrói.
Terrível é esta audácia
de pensar assim:
¾ terminante e elíptica, esta fúria de
pensar
sossega-me no rescaldo do
relâmpago que
abre uma clareira na
noite incendiada
de sombras e mistérios.
II.
Quando esta fúria de ao
pensamento dar luz
parece sossegar,
quando este fogo que (me)
atormenta a alma
e a acalma ao mesmo tempo
entra no rescaldo,
logo outro novo relâmpago
a incendeia
e a clareira da floresta
da imaginação
se abre em labareda a
alumiar(-me) o caminho.
III.
O silêncio deixa de ter o
sossego
calmo e mudo do silêncio
que tudo diz
e abre-se devagar ao
tumulto, neste ascender
arrebatador, das minhas
entranhas.
Insólito é este
pensamento de mim
com sabor oracular ¾
repentinamente
se afastam os que se
dizem poetas
e se aproximam os poetas
de nascença:
¾ os primeiros, pela cegueira se repelem
e eles próprios em tal
cegueira se castigam;
¾ os segundos, pelo saber se consomem
e à palavra se entregam.
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