por: Alvaro Giesta
(tudo quanto aqui publico é
retirado de obras que possuo na minha biblioteca sem tecer, sobre elas, qualquer comentário)
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Airam Alice de São Bento Pereira Santos Costa Feijão, falecida
em 2010, com 61 anos, em Cascais. Natural de Benguela, lutadora em prol da
independência de Angola, no tempo em que era perigoso sê-lo, ascendeu à patente
de Tenente-Coronel das FAPLA, braço armado do MPLA, foi confidente de algumas
das maiores instâncias daquele país, de que se afastou quando o viu tomado por
correntes pouco abonatórias, tendo vindo viver para Portugal e fez dele a sua
pátria dos últimos 25 anos de vida - Portugal que a não tratou com brandura, como acontece
geralmente neste país com os espíritos inquebrantáveis que prezam a rectidão
longe do aplauso das multidões.
Licenciada
em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, possuía uma
erudição avassaladora, adquirida através de muito estudo e conhecimento do
mundo.
Publicou
livros de poemas e artigos no domínio da Arqueologia em que foi investigadora
no campo. Deixou um vasto espólio manuscrito e inédito, de que se extraiu o
livro póstumo Stasis, publicado em
2012 pela editora Temas Originais, de Coimbra.
Do espólio,
das quatro arcas, que a autora deixou, espera-se extrair tesouros literários,
em poesia e conto, quando os manuscritos - muitos incompletos e rasurados e quase ilegíveis - forem devidamente estudados
e explorados.
(Extracto
da "nota prévia" ao referido livro. "nota prévia")
O livro é composto por três partes:
- Stasis ou as Palavras
Interditas (que a autora deixou para ser publicado, embora sem data de
conclusão ou de redacção)
- O Tempo e a Memória
(publicado em livro em Luanda em 1975)
- Ode e 5 Poemas
Ocasionais (retirados a esmo do enorme volume de manuscritos que ocupam
quatro arcas)
Transcrevem-se três textos (um de
cada parte da obra Stasis)
Poema 17. de Stasis
Choras
baixinho ou espraias-te na sombra?
Esta é a
tua neuma? O teu canto? Serei eu tua Quimera?
Na ponta
dos meus dedos vives e no meu
cérebro
latejas ferozmente. Como louca
tacteio teu
corpo inerme vácuo (im)perfeito
donde
emergem todas as estrelas. Quisera
adormecer
em teu profundo poço ou
embalar-te
a esperança pois em deuses
já não
creio. Mas é na garganta que
nascem os
gritos ou à flor da carne que
estremece?
Cala-te agora. Vem. Toca-me
como a um
bravio animal que se rende à
exasperação
do falo. Mergulha no meu
ventre.
Depois sim. Grita ou canta. Que o
gozo de
sentir-te me comove até às lágrimas.
Texto 94. de O Tempo e a Memória
Deslizo rápida pela noite mórbida que grita e sonho com a beleza brusca do bronze do teu corpo vivo. Lentamente me atravessa uma embriagada loucura e o
coração-animal-cego-e-gemebundo se incendeia em violentos amarelos.
O país do medo já foi ganho e os frutos apodrecem-me nas mãos
inúteis e a boca em brasa encostada à paisagem é um sinal de luz para as tuas
migrações.
Um espelho de imagens esvoaça-me no cérebro e carne alucinada
qual flor aberta treme nos abismos da memória aflita... angustiosa doçura dos
teus dedos líquidos nos meus seios pequenos.
Cresce-me o cabelo raízes de sonho e mágoa cordas de papel
que puxam longamente pelo tempo fora eternos barcos de bruma que se despenham
nas cascatas dos teus olhos insondáveis ternos ternos como uma rosa molhada.
Poema 4 de ode e 5 Poemas Ocasionais
(em nota de fim de texto na obra: "este poema
inacabado, apenas esboçado em letra imprecisa, algo ilegível, foi o último
poema escrito da poetisa, elaborado menos de umas quatro horas antes de
falecer, no Hospital de Cascais, na madrugada de 18 de Abril de 2010. A
preciosa meia página de papel, um tanto amarrotado, foi carinhosamente
recolhida pela sua amiga Senhora D. Adélia Maria Liberato Curto Eugénio que
esteve a acompanhá-la na derradeira noite.")
Um cavalo de ferro com olhos de labareda
e patas de veludo chora quânticas
lágrimas por dentro da noite. D' umas
patas voam sonhos [.....].
Um cavalo de ferro com patas de cristal.
D' umas patas [.....] jorram águas [.....]
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