20/07/18

UM POEMA - UM POETA DE ELEIÇÃO: Sebastião Alba


por: Alvaro Giesta
(tudo quanto aqui publico é retirado de obras que possuo na minha biblioteca sem tecer, sobre elas, qualquer comentário)
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SEBASTIÃO ALBA - Homem simples, como é próprio dos Poetas MAIORES, diz-nos Sebastião Alba, na contracapa da sua obra O RITMO DO PRESSÁGIO, aquando da publicação em Maio de 1981, pelas Edições 70:

«Chamo-me DINIS ALBANO CARNEIRO GONÇALVES, nasci em Braga, a 11 de Março de 1940. Cheguei a Moçambique há 30 anos.
Alba era uma canção provençal. Culminava com a despedida de dois amantes, ao amanhecer. Um dos primeiros poemas que escrevi tinha o título "Eu, a canção".
Escrevo com terrível dificuldade: rescrevo, colo, interpolo, publico um poema como quem o espelha. Armo a oficina em qualquer parte, sem tabuleta que o indique. Ninguém sabe, mas ali sua-se.»

Sebastião Alba - poeta, vagabundo, inconformado e anarquista


Edições Quasi, ao tempo da publicação de ALBAS, uma antologia da obra de Sebastião Alba, refere - Assim é a escrita de Alba. É a escrita de um poeta dotado do humanismo do tempo das grandes utopias do século XIX. Alba seria um Garibaldi dos tempos modernos, se a conjuntura a tal se tivesse proporcionado, isto é, com a vontade da maioria.

Assim é a pequena biografia deste Poeta:
Dinis Albano Carneiro Gonçalves (Sebastião Alba), poeta Moçambicano, nasceu no dia 11 de Março de 1940, na freguesia da Cividade, Braga. Em 1949 partiu com a família para Moçambique, onde viveu e escreveu durante muitos anos. Exerce jornalismo.
Em 1983 abandona Moçambique, passando a viver em Braga.
Em 1987, muda-se para Miratejo. Publica poemas na revista Colóquio/Letras. Em 1988 regressa a Braga, passando a viver só em quartos de aluguer. Torna-se andarilho e alcoólico. A 14 de Outubro de 1994, dá a sua mais longa entrevista a Michel Laban, professor universitário francês, que a inclui no volume: Moçambique - Encontros com Escritores (Edição da Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1998). Durante este período, vai dando forma definitiva aos poemas que virão a constituir a sequência inédita "O Limite Diáfano". A 14 de Outubro de 2000 morre, vítima de atropelamento; permanece sem ser identificado na morgue do Hospital de São Marcos durante três dias. Postumamente foi publicado Uma Pedra ao lado da Evidência.(Campo das Letras, 2000)

Publicações:

Em 1965 publica numa edição de autor o seu primeiro livro, "Poesias" (Moçambique)
Em 1974 dá à estampa "O Ritmo do Presságio", na colecção O Som e o Sentido, da Livraria Académica de Lourenço Marques.
Em 1978, publica "A Noite Dividida" (Moçambique)
Em 1981 publica "O Ritmo do Presságio", pelas edições 70, Lisboa
Em 1982 publica "A Noite Dividida", pelas edições 70, Lisboa.
Em 1996 reune num só volume "A Noite Dividida", (O Ritmo do Presságio / A Noite Dividida / O Limite Diáfano), Lisboa, Assírio e Alvim, graças à iniciativa de Herberto Helder
Em 2000 publica-se numa edição póstuma "Uma Pedra Ao Lado Da Evidência", (Antologia: O Ritmo do Presságio / A Noite Dividida / O Limite Diáfano + inédito), Campo das Letras, Porto
Em 2003 publica-se numa edição póstuma "Albas", Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão




«Se um dia encontrarem morto
o teu irmão Dinis
o espólio será fácil de verificar:
dois sapatos e a roupa do corpo
e alguns papéis
que a polícia não entenderá»
in Revista Correntes d’escritas 2001»


De Sebastião Alba, das obras publicadas

há poetas com musa. Muitos.

Há poetas com musa. Muitos.
Eu, neste jardim do Éden,
a cargo do município,
onde um velho destece a sua vida
e, baixando o olhar,
ainda lhe afaga a trama,
quando a poesia se afoita,
amuo
na agrura de, ao acordar,
tê-la sonhado.

Ninguém meu amor

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.

A palhota

Espanta não ver nada
que se coma e caçarolas
As aranhas debandaram
não há moscas
até o humor secou
nas espinhas largadas
Vive-se como?
Donde a modeladora energia
que põe a carne?
Ladino um rato
como na infância o quereríamos
rói os bambus a viga
as horas urdem
e um opaco cisco indizível
aduz as proporções laqueia
a quietação à roda.

Último poema
(ao Jorge Viegas)

Nestes lugares desguarnecidos
e ao alto limpos no ar
como as bocas dos túmulos
de que nos serve já polir mais símbolos?

De que nos serve já aos telhados
canelar as águas de gritos
e com eles varrer o céu
(ou com os feixes de luar que devolvemos)?

É ou não o último voo
bíblico da pomba?

Que sem horizonte a esperamos
em nossa arca onde há milénios se acumulam
os ramos podres da esperança.

No meu país

No meu país
dardejado do sol e da caca dos gaios
só há estâncias
(de veraneio) na poesia.
Nossos lábios
a um metro e sessenta e tal
do chão amarelecido
dos símbolos
abrem para fora
por dois gomos de frio.
Nossos lábios outonais, digo,
outonais doze meses.
No entanto
o equilíbrio jacente
faz florir as acácias;
a terra incha;
na derme da possível
geografia,
um frémito cinde
as estações do ano.

A um filho morto

Ontem a comoção foi da espessura dum susto
duma árvore correndo
vertiginosamente para dentro do desastre

E já não choramos. Passamos
sem que o mais acurado apelo
nos decida

Nas camisas
teu monograma desanlaça-se.
Tua mão vê-o nos céus nocturnos
sabe que há uma ígnea
chave algures

Minha tristeza não tem expressão visível
como quando a chuva cessa
sobre a dádiva fugaz do nosso sangue
que hoje embebe a terra

É tal a ordem em nós
que um odor a bafio sai de nossas bocas
e uma teia de aranha interrompe o olhar
que te envolveu em vão.

Como os outros

Como os outros discipulo da noite
frente ao seu quadro negro que é
exterior à música dispo o reflexo
sou um e baço

dou-me as mãos na estreita
passagem dos dias
pelo café da cidade adoptiva
os passos discordando
mesmo entre si

As coisas são a sua morada
e há entre mim e mim um escuro limbo
mas é nessa disjunção o istmo da poesia
com suas grutas sinfónicas
no mar.


Sem título

Para isto de dar
um bambo passo entre as estrelas
não se vai com a grande ocasião reclinada
na cabeça a ouvir Puccini

Breve empanadas as estrelas
não mais se acenderão e apagarão
O rumo estará raso
O silêncio a nada obrigará

De pouco serve a ida ao lugar de ausência

que o teu sono já não é extensível
Aboliu-se uma posição relativa na noite
Não circulando em ti com a sua mistura
o ar atravessará o esqueleto

E tudo será sem data e sem prenúncio

E não acrescentarei ao poema ainda um verso relvado Que buxo!
Ele não seria a medida ou a balança Seu inconcreto molde
restaria quebrado entre outros cacos

(Se bem que da infância suba até mim o coro admonitório dos anjos.)




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