20/10/17

A Alquimia do Verbo

copyright da fotografia XMAIA in Olhares.com


o corpo, manhã erguida
(como se fosse o Ponto de Bauhüte) [i]

1.
nu branco e negro
jaz
em círculo enrolado sobre
a luminosidade luminosa do lençol
- o corpo
2.
circunscrito
na concha que se forma ao centro
- o nascimento
3.
nele o ponto negro interacciona-se
com o quadrado luminoso do lençol
- assim é o corpo como ponto de bauhüte
4.
três vértices na mancha negra
- o triângulo e o seu ponto interior -
no centro grita o fogo a chamar
sobre o corpo enrolado
5.
grita na pele o sexo - a mancha negra
em união com a geometria
do triângulo
6.
na pele a febre oculta bebe o ar
no corte vertical fechado em concha
que se há-de abrir entre as coxas do poema
 7.
quando os lábios
na sede de se darem se entregam
ergue-se o gesto que faz a poesia do corpo novo
neste sempre corpo branco e negro
em círculo enrolado na macieza luminosa do lençol
8.
no corpo a rasgar-se a concha
fechada ao centro no triângulo negro
para o mistério do nascimento
o sempre mistério do corpo feminino
e imaculado anunciando a renovação
9.
o interior oculto do triângulo
onde o mel da terra se cria e se dá
no fogo do vinho e da água
e da rosa vermelho-sangue
- altíssima perfeição
10.
no oculto interior o mel se derrama e o sol
como quinta essência se dá ao ósculo
- o ponto de fuga e união perfeita do triângulo
do corpo enrolado em círculo
 ________


[i] Reconheço a dificuldade (de entendimento) do poema - até para mim que o escrevi - se não estivermos por dentro da simbologia do Ponto de Bauhüte, coisa difícil de entender mesmo quando só aplicado no ponto central do círculo que se interacciona com o triângulo equilátero e o quadrado. É a perfeição deste ponto que faz nascer o pentagrama - símbolo pagão formado por uma estrela de cinco pontas em cada uma delas presentes os elementos: AR, TERRA, ÁGUA, FOGO e mais um 5.º elemento - o da perfeição, a quinta essência, o ESPÍRITO, que coordena os outros elementos.
Se o pentagrama for perfeito, vemos o símbolo tradicional do conhecimento fundamentado no número 5 que expressa a união dos desiguais - é a união fecunda, o casamento, a realização unindo o masculino (o 3) ao feminino (o 2).
Ao longo do tempo o Pentagrama foi usado por diversos estudiosos e filósofos como Pitágoras que usou o pentagrama como símbolo da primeira faculdade no mundo dos homens, a Escola Pitagórica. Ele é, não só um símbolo aristotélico mas, sobretudo, hermético, na boa tradição da "oculta philosophia" compendiada por Agrippa (António Macedo).
Foi com base nesta filosofia alquímica, que me parece um tanto "maçónica" que eu estruturei o poema. Baseei-me em tal teoria não funcionando tal teoria ou o pentagrama como fonte inspiradora - como se fosse musa ou muso porque isso de musas e musos é coisa em que não acredito e, como tal, para mim não existe. Agarrar-se a musas e musos para escrever poesia é próprio dos fracos poetas que atribuem a divindades aquilo que fazem mal ou fazem bem feito; é desvincular-se do que foi criado por si atribuindo-o a intervenção de inexistente divindade. Antes, baseio-me, apoio-me, assistem-me ao uso da palavra para fazer o poema, certos ensinamentos colhidos de muitas leituras que entendo, pelo seu conteúdo, úteis ao conhecimento; para fazer o poema, sirvo-me também daquilo que sinto com os olhos - é com eles que penso, é através deles que busco aquilo a que chamais inspiração.
Voltando a este poema para a escrita de tão longa nota, foi depois de ter aprendido qualquer coisa (um quase nada) das leituras que fiz de Almada Negreiros e Lima de Freitas - coisa pequenina que isto do exotérico é só para crentes, coisa que eu não sou - sobre a secreta origem e o simbolismo do Ponto de Bauhüte, pensei: e por que não agarrar no corpo da mulher, enrolado em círculo sobre o quadrado alvo do lençol e procurar o referido ponto no triângulo púbico? - coisas de devaneio poético, claro, e ao poeta é permitido estes devaneios...
É evidente que tudo isto são divagações poético-filosóficas deste lunático poeta que estão a ler. Nada do que escrevi, no poema, tem a ver com o que ensina o livro "Almada e o Número" de Lima de Freitas e, menos ainda, com o "A ideia - o Ponto de Bauhüte e o mistério do Sexto Estigma" de António de Macedo. O que deixei aqui são apenas meras divagações poéticas. 
Perguntarão: então, se no poema há "ar, terra, água, fogo" onde está a quinta essência? Eu digo: poeticamente, no meu poema assim estruturado, está no interior oculto do corpo feminino - a altíssima perfeição (o nascimento), logo evidenciado na 2.ª estrofe. E, aqui, "nascimento", seja um corpo novo, significando renovação, conhecimento, sabedoria, ou seja a poesia,  evidenciada na 7.ª estrofe - o misticismo cabalístico do n.º 7 -, tão presente em nós, poetas: "quando os lábios / na sede de se darem / se entregam / ergue-se o gesto que faz a poesia". 

________ A Alquimia do Verbo (Alvaro Giesta)


A Escola Pitagórica e o Pentagrama


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