«A
crítica útil e verdadeira será aquela que em vez de modelar as suas sentenças
por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia,
procura reproduzir unicamente os juízos da sua consciência.» (Rabelais)
«A
crítica literária perdeu prestígio à medida que a literatura deixou de ser
vista como cultura para ser considerada entretenimento, incluída pelos mídia
nas actividades efêmeras que constituem a industria cultural. O entretenimento
generalizado não deixa tempo para a solidão e a reflexão que a leitura
literária exigem. Crítica é análise e julgamento estético, e necessita de um
espaço que a mídia, salvo raras exceções, não está mais disposta a lhe
conceder. A crítica literária tende a ficar fechada nos limites da academia e,
por isso, aquela que se faz no jornal ou na internet, mesmo se breve, tem maior
influência, como a publicidade positiva ou negativa de qualquer outro produto.»
Leyla Perrone-Moisés in Mutações da Literatura no Século XXI.
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Entende-se por crítica - vem do Grego KRITIKOS, "capacidade para fazer
julgamentos", de KRINEIN, "separar, decidir, julgar",
relacionado a KRISIS, "julgamento, seleção", de KRINEIN, "quebrar",
do Indo-Europeu KREI, "peneirar, discriminar, distinguir" (in
aorigemdapalavra.com.br) -
essa operação que visa "fragmentar e decapar uma obra de arte,
reinserindo-a em possíveis contextos artísticos e sociais" (Lúcia Czer).
Assim sendo, o que vem a ser crítica literária?
É
a interpretação das obras e das suas características literárias em cada cenário
de determinado período, buscando entender esse universo literário e único, como
se a partir dessa interpretação se
desenhasse o rosto dessa sociedade literária da época. A crítica busca a
compreensão da obra literária, no tempo, com a imparcialidade exigida para que
não padeça de falta de credibilidade. Para que não corra o risco da cegueira e
do colapso devido ao interesse mesquinho e oportunista que muitas vezes
(infelizmente, hoje, isso é prática corrente) obscurecem o bom poeta e o bom
escritor contemporâneo que fica, com tais práticas, em patamares inferiores
àqueles que escrevem sem criatividade, cujas obras são um legitimo emaranhado
de palavras sem mensagem a passar.
Nunca
se produziu tanta e tão má literatura como hoje. Ouso dizer que há maior número
de poetas que leitores. Corrijo: há mais (maus) poetas que (bons) leitores.
Atrevo-me a mais: são os maus leitores, a quem eu chamo pseudo-leitores, que
são a fonte de energia para os pseudo-poetas proliferarem. Destes pseudismos
está a literatura portuguesa cheia. À porta de muitos destes
pseudo-poetas-vale-tudo estão, de atalaia, muitos críticos jornalísticos,
daqueles que fazem ténues e mal fundadas investidas por certas obras literárias,
aqueles a quem a crise do jornalismo em papel paga mal, ou nem paga, para fazer
crítica literária... aqueles que, guiados por um certo grau de
cegueira-interessada, se relacionam com a literatura contemporânea de tal modo
que os levam unicamente a verem aquilo que querem ver ou, melhor dizendo, que a
sua miopia literária deixa ver. Uma miopia literária que não é, de todo,
inocente ao seu olhar e ao seu interesse: é a crítica parcial, é a crítica
afeita e afecta às feiras de vaidades, é a crítica guiada pelo estímulo
interesseiro e interessado, é a crítica que veste o fato domingueiro do "padrinho
alugado" para a cerimónia do baptismo literário do afilhado - é a crítica
parcial, mentirosa, incompetente e corrupta, tantas vezes. Uma falta de
coerência total, uma ausência de escrúpulos sem medida. Diz-se que, devido ao
curto espaço que é dado ao crítico jornalístico nos jornais, a crítica se
remete, no seu "papel residual", a pouco mais do que ser um
"guia de compras", muitas vezes um mau guia porque atribui o máximo
de "estrelas" a quem não as devia ter. Talvez sim, talvez não... talvez
falte, no crítico, a capacidade de julgar; talvez tenha perdido, o crítico, o poder
da crítica que lhe dava a capacidade para fazer ou destruir a carreira de um
autor literário.
«Algo
ronda a nossa história: a morte da literatura». (Roland Barthes). Quando se
fala do "fim da literatura" referimo-nos à da modernidade. «Os
críticos literários calaram-se, perderam espaço e prestígio. A literatura
tornou-se coisa do passado.» (Leyla Perron-Moisés). Mas como (?) se nunca houve
tanta ficção e tantos poetas editados, tantos eventos literários, tantos
prémios instituídos, tanta mediatização... simplesmente porque os livros mais
lidos e mais vendidos não correspondem aos padrões literários exigidos;
deixaram de ser escritos numa linguagem que interroga o homem e desvenda o seu
mundo de maneira aprofundada, tendo em vista a cultura, para serem considerados
mero material de entretenimento em actividades efêmeras e festivaleiras
generalizadas sem critério e julgamento cultural e sério, que não deixam tempo
para a reflexão que a leitura literária exige. Por aqui, por esses/essas
dinamizadores/as desses eventos, devia começar a crítica e a análise. São raros/raras
aqueles/as que tal fazem: a tal reflexão que a leitura literária exige, porque
curto e superficial é o seu conhecimento e maior é a preguiça mental para se
debruçarem, em silêncio, no estudo aprofundado que tais eventos literários exigem.
[Cabe
aqui contar um episódio, que nada tem a ver com crítica literária mas com
leitura (ou falta dela) por mau leitor, a que assisti quando, em tempos, fui ao
lançamento de uma obra poética levada a efeito por uma daquelas pseudo-editoras
cuja proprietária nada diz sobre o poeta e sobre a obra pela razão que nada
sabe dizer e, pior ainda, sequer leu a obra que acaba de lançar para avaliar da
sua importância no campo literário: coisa mais difícil de ela (essa entidade
editora) entender é "O QUE É ESSA COISA CHAMADA LITERATURA?".
No
decorrer da prelecção entediante de tão ilustre orador, julgado por si, na sua
inútil e vã vaidade de ostentação do "Dr" que fez questão de lembrar
à plêiade assistente, quando apresentava a obra, de cigarrilha apagada entre os
dois dedos amarelecidos, dava ares de que conhecia a matéria em profundidade, pela leitura que fez dum poema,
apenas, em que o autor-poeta falava de "papoilas amarelas". E discorreu,
numa longa e enfastiadora hora de púlpito, tecendo louvores à obra do autor
amigo, à laia de crítica, sempre rodeado das muitas
"papoilas-amarelas" que encontrou no livro poético onde, afinal, só
havia uma "papoila-amarela" num único poema.]
Como
pode ser tão curto o saber?! Como pode ser tão grande a burrice?! Como pode
custar tanto documentar-se para se mostrar saber?! Podia contar outra "estória"
de quem tecendo crítica literária (?) a certa obra, quem o faz começa por
escrever que "no seu vocabulário não encontra adjectivos para qualificar a
obra do seu grande e bom amigo."
Ressalvo
que esta "estória" aqui contada, nada tem a ver com a classificação "boa
ou má" da obra apresentada - a primeira conheço-a em profundidade do manuscrito
que me foi dado a ler pelo seu autor; a segunda, porque possuo o livro, que já
li em profundidade também; apenas as refiro para mostrar, na primeira a falta
de cuidado na leitura, que devia ter sido integral e da análise parcial e cega
de quem sobre ela verteu matéria, em ambas.
Se
criticar não é apenas fazer sangrias, muito menos é exercer actividade
imaginativa. É uma actividade intelectual, metódica e reflexiva que procura o
espírito do livro, descarnando-o, levando-o ao osso, autopsiando-o para lhe
encontrar a alma, sem que o crítico esteja dependente de sujeições, sem
preconceitos de amor ou ódio ao autor, sem crenças e sem mitos na imaginação.
©
Alvaro Giesta (não escrevo segundo o denominado acordo ortográfico)