08/03/17

Sermão aos que preferem ser moucos

Mais uma vez, na curta hora que antecede o início do meu dia de trabalho, sentado nesta mesa atafulhada de chávenas de café vazias que a empregada se esqueceu de retirar, deste exíguo espaço a que alguém concedeu o favor de baptizar com o auspicioso nome “Estrela-do-Mar”, me predisponho a escrever-lhe. Hoje, acerca do fazer poético deixando à possibilidade de quem me lê a hipótese de interpretar o poema e descobrir nele o que permanece ainda por desvendar. 
Tome o meu amigo leitor, o conteúdo (em destaque) da terceira estrofe de três versos, e considere-o isolado do contexto do poema, que faz parte da minha obra “Meditações sobre a palavra” (pp 24 e 25): 

“o corpo faz-se
de fragmentos em união constante
(...)
prolonga-se na comunhão doutro corpo
funde-se com ele
no desejo que lhe sacia a sede

(...)
RENASCE A FORÇA QUE AGITA
O COSMOS
RENUNCIA À SOLIDÃO

penetra no centro do mundo
fecunda o fecundo
respira com o acto de criar
que lhe sorve o ar que o anima
em permanente renovação”

e, permita que deixe à sua fértil imaginação o poder de discorrer sobre a interpretação. Ou imagine, antes, que estes três versos são, exclusivamente, o poema em si, o que bem podia acontecer. No meu tempo, que é o seu, também, se o leitor for do meu tempo, qualquer professor de português veria aqui o erro imperdoável da falta de pontuação para a boa compreensão do texto. E apressar-se-ia a corrigir o poema, não lhe alterando, necessariamente, a estrutura, colocando-lhe a pontuação nos locais adequados. Ou por si julgados adequados, que as algemas da imaginação poética do seu tempo, dificilmente o deixariam ir além. 
E o poema, que esse professor entendeu escrever, passaria a ser, depois de reformulado: 
“ Renasce a força que agita
o cosmos;
Renuncia à solidão.”
Ou, talvez fosse outra, a hipótese, com o “querer” do professor desse tempo: 
“Renasce a força que agita.
O cosmos
renuncia à solidão.”
E acabava-se aqui a contenda, desse professor de português, que se geraria entre ele e o aluno, presentes, e o poeta ausente, sem hipótese de se defender e dizer da razão da sua escrita para a “sua interpretação”, que NÃO É necessariamente UNA. Poeta que escreveu o que ele apenas quis dizer, no poema, e deixar a quem o lesse o livre poder de interpretar, e não para que esse zeloso professor de português e defensor da linguagem vernácula, lhe amputasse a ideia e algemasse, com as suas próprias algemas - supostamente literárias ou, melhor ainda, literárias à sua maneira - que também o acorrentavam, literariamente. Ideia que mais não era do que deixar ao leitor a possibilidade de interpretar o poema e descobrir nele o que permanecia ainda por descobrir. 
Assim, contribuía o poeta para agitar as mentes que o lessem sobre questões várias que poderiam levantar as mentes fecundas, que também as havia nesse tempo; mas que o tal “bom professor de português” se encarregava de algemar, ao mesmo tempo que reduzia o poema à sua única, supra e sábia maneira de o interpretar. 

Meu caro leitor, recorda-se destas palavras: «que a melhor maneira de contemplar a natureza é de cima de uma bicicleta.» (Marilyn Monroe dixit)? Ou destas, por exemplo: que «talvez a forma eleitamente apocalíptica e luminosa de escutar a poesia seja de helicóptero.» (Herberto Helder, Photomaton & Vox)? Pois bem, não se recordará, pois nunca as terá lido; mas, se as leu, talvez as não tivesse entendido, ou não entendido do que tenho escrito nos ensaios publicados nesta revista BIRD, e que lhe mostro com as palavras sábias de Octávio Paz, Nobel da Literatura em 1990, insertas na obra O Arco e a Lira: «NADA DO QUE SE AFIRMA AQUI - e, “roubando” a ideia ao poeta e ensaísta citado, o “aqui” quer dizer tudo o que até 5 de Fevereiro p.p. escrevi sobre poética na BIRD, que agradou a muitos mas desagradou a muitos mais - DEVE SER CONSIDERADO COMO TEORIA OU ESPECULAÇÃO PORQUE, NA TENTATIVA DE COMPREENDER A POESIA, QUEM A ESTUDA - e não apenas a compreende pela rama -, INTRODUZ, SEMPRE, RESÍDUOS ALHEIOS A ELA: FILOSÓFICOS, MORAIS...» sociais e até políticos. 

Meus caros leitores: acerca das minhas divagações sobre temas poéticos, nesta minha forma monocórdica de conversar e aqui sentado, sozinho, nesta mesa de café de tampo cor amarelo torrado a que a falta de largas lascas de tinta deixa ver o matizado ferruginoso que começa a corroer o metal, como o veneno e a inveja corrompe a alma dos homens (e mulheres) mal intencionados, era esta a minha última intervenção (agora com as alterações devidas e adaptações necessárias) na revista BIRD para onde escrevi, graciosamente, quase todas as segundas feiras durante mais de ano e meio, e que só não foi publicada no seu tempo porque o editor de tal revista “me castigou” (como se eu fosse propriedade sua) em 15 dias de demora para a sua publicação - publicação que não foi permitida por mim pela discordância de tal castigo -, por não lha ter fornecido na véspera (domingo) do dia em que devia ter saído, por ausência minha a mais de 500 Km do disco do meu portátil onde ela tinha ficado guardada por esquecimento. Terão a partir de agora, que se haverem, com outras águas profundas de outros oceanos. 
Por mim, aqui neste blog dum VISIONÁRIO, creiam-me, caros leitores-poetas ou poetas-leitores, um humilde pescador sem linha nem anzol. 
Alvaro Giesta

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