22/08/15

Prefácio ao Um Arbusto no Olhar
por Fernando António Almeida Reis, ortónimo

Prefácio


«(...) Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio (..)»
O Poeta na Rua © António Ramos Rosa

Tardou este livro em ser publicado. Com base na sua proposta final, que é o que define o valor literário da obra, a acontecer na data própria, deveria ter sido logo após a publicação do «Meditações sobre a palavra», porque o completa e complementa, sem outros que foram editados, entretanto, pelo meio. Mas, por vezes o criador tem necessidade de alargar o leque de opções, correndo o risco da criação, ao olhar de outrem, de uma obra dispersa e desconexa. Contudo, ainda que difícil seja a defesa da obra, porque dispersa, nela se pode «recolher a semente para uma futura colheita, não perdendo dessa forma o seu objectivo primordial: criar para além do limite de cada instante.» (Xavier Zarco, in Breves reflexões filosóficas sobre o conhecer, em poesia - publicado em "A Chama, folhas poéticas, n.º 9, 3.º trimestre 2014)
Na sequência daquilo que Alvaro Giesta deixou expresso em nota de autor no seu livro Meditações sobre a palavra, editado em 2011 pela Editora Temas Originais, e ao talhar agora o Um Arbusto no Olhar que seguiu de perto, na sua primeira parte, o desenho traçado para o primeiro, a completar o que se terá proposto escrever sobre o ofício do poeta no manuseio da palavra e com o qual pretenderá encerrar o motivo deste ciclo, dado que todas as suas obras poéticas se vêm desenhando com submissão, cada uma delas, a um mote próprio e específico, quererá reiterar aos leitores que tem procurado sempre o seu desempenho com base na busca da maior perfeição.

Se, no «Meditações sobre a palavra»,
«as palavras nascem / de dentro para fora (...) / (dum) / ventre virgem que se abre ao meio / (e) / recolhe o sémen / que se vai tornar vida»,
em «Um Arbusto no Olhar», desse mesmo
«ventre prenhe / da terra / (onde) / canta a árvore
e o azul / em demanda de novo sol»,
se pode concluir que:
«o ofício do poeta / é mergulhar as mãos no fogo /
no espaço / branco por escrever / é descobrir o vazio / que espera a voz / e o grito / da palavra»,

é saber ver que:
«da hercúlea sombra / que se abre ao meio / regurgita a luz»,
é descobrir que o fenómeno do acto inaugural da palavra se dá no lugar exacto, onde a luz e a obscuridade coincidem e se transformam.
O ofício do poeta é encher o nada, o vazio existente no sítio exacto onde coincidem a luz e sombra, do ardor rubro da palavra, mesmo que este verde nascimento seja um acto tardio na vida do poeta ou no tempo da criação.
É «descobrir o segredo do fogo / e da água / onde a palavra se faz carne / nesta difícil visão alquímica dos contrários».

Se no «Meditações sobre a palavra», ela, a palavra exacta, porque pura alfa  e ómega (princípio e fim), é a semente que «caminhava na sombra das paredes / que se erguem envoltas / num mar duro de pedra / e cal» onde apenas «uma nesga de luz (sai) das trevas / por curto instante /(...)» em demanda de uma possível aproximação ao real e às coisas do mundo,
em «Um Arbusto no Olhar», a palavra deixa de ser semente oculta sob a dura terra antes de nela ter entrado o sémen-água, para se tornar na raiz que firma e no caule que sustenta e ergue os ramos, para se dar a conhecer, para se abrir na inquietude da página, vislumbrando-se entre as suas ramificações, o olhar sequioso por dizer, por fazer a denúncia, a busca, por sondar e descobrir o insondável mistério universal da palavra.
Com a mesma arte com que foi desenhado o «Meditações sobre a palavra», assim foi talhado o «Um Arbusto no Olhar». Sem inspiração, porque ela não existe (!) em Alvaro Giesta, mas fazendo uso do mesmo rigor construtivo no trabalho da palavra que sai da sombra, como o arquitecto ao desenho do edifício, modelando-a como o oleiro ao barro, esculpindo-a e burilando-a como o artífice à pedra, dissecando-a, levando-a ao osso, como o médico legista ao corpo para saber da causa do fim.
O poeta se afirma, mais uma vez, no rigoroso sentido de busca, de construção e emprego da palavra no todo do edifício poético em que se deve empenhar para, nesse labor, dar um verdadeiro sentido literário à obra construída.
Alvaro Giesta, no rigor do uso da palavra ao serviço da linguagem poética, norteou o labor de «Um Arbusto no Olhar» , em duas partes, correspondendo a cada uma trinta poemas:
- na Parte I, o eu-poético ausenta-se do poema para que este seja ele próprio, para que se efectue a junção entre subjectividade e objecto, para que a palavra-sujeito-poético case com o espaço sem a intervenção do eu-poético no mundo do poema;

- na Parte II, o eu-poético integra-se na palavra, vive a palavra, vai de encontro às sensações o que lhe permite vislumbrar novos horizontes, com um olhar sequioso por descobrir o longe, para lá das ramificações do arbusto que se levanta ao olhar do sol.


Fernando A. Almeida Reis, ortónimo
Barreiro, Setembro de 2014


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