12/07/18

da MORTE, cantata em odes mínimas

Texto (prosa e verso: Alvaro Giesta
Obra: OPUS, Selecta de Poesia em Língua Portuguesa
Editora: Temas Originais, Coimbra, 2018
ISBN: 978-989-688-294-5
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Com estes versos quebrados propositadamente para romper com uma leitura da literatura tradicional - que bem poderiam ser heróicos elevando, se tal fossem, o poema a um lugar sublime e astral -, a mostrar o carácter transgressor e libertador da escrita, neste imaginário poético, enquanto poeta irreverente e contrário a certa linha poética que, sem desvios, canta quase invariavelmente o mesmo motivo e sob uma única variável, permito-me versar temas que, por aquilo que perturbam, são, pela maioria dos poetas, evitados. Assim, ouso tratar, também, o amor no percurso Vida-Morte - uma linha dialéctica já publicada, antes, na minha obra "O Retorno ao Princípio" - no sentido de fazer dele o elemento aglutinador de duas forças opostas, mas que se completam, dando-se continuidade uma à outra.
Dessacralizando aquela que causa tanto pavor - a Morte - para que ela vá perdendo o horror que inspira, a versei nestas odes mínimas de que aqui fica o embrião de possível obra a editar. Busco compreender a morte no entendimento que em primeiro lugar faço da vida, quando encaro com apreensão e preocupado esta sociedade de alienação, dominada pela obsessão do prazer e do dinheiro, uma sociedade do não sujeito e da violência, uma sociedade rumo ao vazio onde a morte a persegue e em muitos casos a domina, transformando-a, nesta via de pensamento, numa quase não sociedade.

da MORTE, cantata em odes mínimas

                              1.
Apoderas-te do meu ser, quando? Agora?
Quando unirás a tua boca à minha,
          - à boca dum poeta, nesse estreito laço?

Que vontade calada de te unires a mim tens
tu, amantíssima Morte, que por mim
esperando em silêncio, vens minando o meu
corpo que junto ao teu repousará um dia
nesse longo e apertado-abraço!

Oh! como almejas o teu corpo colado ao meu
debaixo daquela pedra fria, onde
a tua fome de mim em fogo arde.

                              2.
Desafio-te:
          - vem, hoje, sereníssima e negra
antes que seja tarde; vem, sem medo,
amantíssima vem não sejas cobarde...
          desafio-te, oh Morte, antes que sejas tu,
nesse beijo frio que tanto desejas, a impores-me
a minha própria sorte - vem, nesta hora.

 Aqui de mim, para ti, firmo a minha escritura:
          - assim te imponho eu, agora
que venhas serena mas rudemente te quero
e ao mesmo tempo austera, nesta agonia
ácida, escura e amargamente terrena.

          Assim te desafio - vem, não esperes
pelo abraço final que nos há de selar a sepultura.

                              3.
O meu tempo agora é teu... e há muito dura!
          Ama-me com a fome que tens de mim
em fazer da minha carne - ânsia que te consome -
o teu leite prometido, a tua carnadura
          - o diamante puro para o teu altar.

          Já não me atormenta o teu nome!
Porque tu, Morte, és a Vida-semente da minha vida
amor que em ti se prolonga indefinidamente.

Escurecem os teus olhos que por mim brilham
por alimentar o teu ventre esfaimado,
          de mim sequioso e tardio
quando por fim descer à terra escura.

                              4.
Alimenta o teu ventre, esse amor que há tanto dura
pelo meu ser, faminto e doentio. Sim, tu, oh Morte
que tão demasiados anos da minha vida
trouxeste o teu dentro arredado e fugidio.

Hás-me urdir nesse denso e frígido amor
em tempo teu, sobre mim a tua teia.
O tempo virá em que à tua se há de unir
a minha carne - vida da tua vida.

Como a trovoada que sobre a terra áspera
e dura, derrama o cíclico raio quando nunca chove
e o rochedo seca e abre brechas em sua cíclica
textura, assim escorra tardiamente sobre mim
e a minha vida, o teu amor pela minha sorte,

          - e tarde o tempo

em fazer da tua vida a minha morte.



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