Texto (prosa e verso: Alvaro Giesta
Obra: OPUS, Selecta de Poesia em Língua Portuguesa
Editora: Temas Originais, Coimbra, 2018
ISBN: 978-989-688-294-5
_____________________
Obra: OPUS, Selecta de Poesia em Língua Portuguesa
Editora: Temas Originais, Coimbra, 2018
ISBN: 978-989-688-294-5
_____________________
Com estes versos
quebrados propositadamente para romper com uma leitura da literatura
tradicional - que bem
poderiam ser heróicos elevando, se tal fossem, o poema a um lugar sublime e
astral -, a mostrar
o carácter transgressor e libertador da escrita, neste imaginário poético,
enquanto poeta irreverente e contrário a certa linha poética que, sem desvios,
canta quase invariavelmente o mesmo motivo e sob uma única variável, permito-me
versar temas que, por aquilo que perturbam, são, pela maioria dos poetas,
evitados. Assim, ouso tratar, também, o amor no percurso Vida-Morte - uma linha dialéctica já
publicada, antes, na minha obra "O Retorno ao Princípio" - no sentido de fazer dele o
elemento aglutinador de duas forças opostas, mas que se completam, dando-se
continuidade uma à outra.
Dessacralizando
aquela que causa tanto pavor - a Morte - para que ela vá perdendo o
horror que inspira, a versei nestas odes mínimas de que aqui fica o embrião de possível
obra a editar. Busco compreender a morte no entendimento que em primeiro lugar
faço da vida, quando encaro com apreensão e preocupado esta sociedade de
alienação, dominada pela obsessão do prazer e do dinheiro, uma sociedade do não
sujeito e da violência, uma sociedade rumo ao vazio onde a morte a persegue e
em muitos casos a domina, transformando-a, nesta via de pensamento, numa quase
não sociedade.
da MORTE, cantata em
odes mínimas
1.
Apoderas-te do meu ser, quando? Agora?
Quando unirás a tua boca à minha,
- à boca
dum poeta, nesse estreito laço?
Que vontade calada de te unires a mim tens
tu, amantíssima Morte, que por mim
esperando em silêncio, vens minando o meu
corpo que junto ao teu repousará um dia
nesse longo e apertado-abraço!
Oh! como almejas o teu corpo colado ao meu
debaixo daquela pedra fria, onde
a tua fome de mim em fogo arde.
2.
Desafio-te:
- vem,
hoje, sereníssima e negra
antes que seja tarde; vem, sem medo,
amantíssima vem não sejas cobarde...
desafio-te, oh
Morte, antes que sejas tu,
nesse beijo frio que tanto desejas, a impores-me
a minha própria sorte - vem, nesta hora.
Aqui de mim, para ti, firmo
a minha escritura:
- assim
te imponho eu, agora
que venhas serena mas rudemente te quero
e ao mesmo tempo austera, nesta agonia
ácida, escura e amargamente terrena.
Assim te
desafio - vem, não esperes
pelo abraço final que nos há de selar a sepultura.
3.
O meu tempo agora é teu... e há muito dura!
Ama-me com a
fome que tens de mim
em fazer da minha carne - ânsia que te consome -
o teu leite prometido, a tua carnadura
- o
diamante puro para o teu altar.
Já não me
atormenta o teu nome!
Porque tu, Morte, és a Vida-semente da minha vida
amor que em ti se prolonga indefinidamente.
Escurecem os teus olhos que por mim brilham
por alimentar o teu ventre esfaimado,
de mim
sequioso e tardio
quando por fim descer à terra escura.
4.
Alimenta o teu ventre, esse amor que há tanto dura
pelo meu ser, faminto e doentio. Sim, tu, oh Morte
que tão demasiados anos da minha vida
trouxeste o teu dentro arredado e fugidio.
Hás-me urdir nesse denso e frígido amor
em tempo teu, sobre mim a tua teia.
O tempo virá em que à tua se há de unir
a minha carne - vida da tua vida.
Como a trovoada que sobre a terra áspera
e dura, derrama o cíclico raio quando nunca chove
e o rochedo seca e abre brechas em sua cíclica
textura, assim escorra tardiamente sobre mim
e a minha vida, o teu amor pela minha sorte,
- e tarde
o tempo
em fazer da tua vida a minha morte.
Sem comentários:
Enviar um comentário